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Poesia fonética (também auditiva, sonora ou acústica) é um evento estético que leva ao limite e despragmatização dos signos linguísticos, submetendo-os a um feixe criativo de ondas articulatório-acústicas, em que quando muito se realiza uma semântica de sugestão.

A poesia clássica era puro ritmo obtido com palavras, e os retóricos compreenderam muito cedo que a posição eréctil do homem lhe deslocava os órgãos auditivos para o alto, obrigando o orador a escolher posições elevadas em relação ao seu público, e a cuidar do seu timbre e colocação de voz. Passou muito tempo até que Mallarmé postulou a leitura do poema como “prática desesperada”, o que aponta mais tarde, nos anos 30, para a “palavra anterior à palavra” de Artaud.

Mas remete-se normalmente o início da poesia fonética para Khlebnikov (fonopintura, 1908), com a sua poesia transracional. Em 1916 Depero faz o seu manifesto Onomalingue e, no mesmo ano, Hugo Ball produz Karawane, um bruitismo poético à base de neologismos e rumorismo variados.

Alexander Tufanov é provalvelmente o primeiro a fazer uma reflexão linguística sobre esta possibilidade poética, teorizando sobre a existência de dois tipos de poesia lírica: a aplicada, e a pura (ou directa). A aplicada tem significado literário e propõe-se, com o conhecimento das ideias e o aproveitamento das imagens, chegar a qualquer resultado, como, p. ex., o amor. O material rítmico é assim meio para uma finalidade, não finalidade em si. Para adquirir essa finalidade, que a tornaria arte pura, necessita dotar os sons em si de motivação ou sugestão semântica, deixando no entanto que a superfície poética se esgote na criação de ritmo. Tufanov enfatiza muito a pronomásia real ou acidental, e chega a atribuir aos fonemas valores para-semânticos, dentro duma perspectiva da fonética idealista (Jaakuchine).

Mas desde Marinetti e Depero, a poesia fonética evoluiu muito (Heidsieck, Rühm, Nannucci, Mon, Adler, Erb, Pastior, Kistelanetz, Chopin, Higgins …). O actual poeta fonetico não só entende que pode comunicar vivências, como considera a sua poesia como a comunicação duma vivência. De índole quase sempre lúdica, muitas vezes também ideológica, apenas é necessário que o som, o ritmo e a articulação tenham exclusivamente pela composição sonora, harmónica e tímbrica. Importante é o rigoroso trabalho de suprasegmetalização, que permite dar à mesma informação silábica valores distintos: comando, benevolência, irritação, espanto, distanciamento, apreço, etc.

Há também na Poesia fonetica uma linha mística, que partindo do mistério de que o verbo se fez carne, tenta dar corpo ao mistério da carne que se faz verbo. É uma linha que pode entroncar em Artaud e na sua ideia duma “palavra primordial”, ainda não mediação semântica. No entanto, em grande parte dos casos, a Poesia fonética continua vinculada a um sistema fonético e fonológico. Quer dizer que cada sistema linguístico tem um ducto sonoro com peso informativo próprio e capacidade de interacção emocional. Basta pensar nas possibilidades de timbre, altura, harmonia, onomatopeia dum “o” aberto em português, p. ex.

Obviamente que a poesia fonética utiliza todos os meios computacionais e de mistura que entretanto há ao dispor: nesses casos pode aparentar-se bastante com o bruitismo musical, por exemplo de Dubuffet, Nam June Paik ou Timm Ulrichs. Em ambos os casos, a Poesia fonética não tem em vista transformar a língua numa intreminável onomatopeia (seria uma espécie de realismo “de mão esquerda”), mas sim utilizar o poder emotivo do próprio som, da fonologia geral, ou deduzindo de ritmos particulares, a fim de criar uma memória fonética da palvra-som e sua intenção.

Obviamente a Poesia fonética o de apresentar-se, e apresentar-se normalmente também como construção visual, espécie de partitura individual (Josef Anton Riedl). Entre a poesia discursiva e a Poesia fonética não há uma fronteira rígida, masespaços de transição (Arrigo Lora-Totino ou Oskar Pastior estão a pouca distância do discurso, Beuys e Andy Warhol destruiram-no por completo). A Poesia fonética pode ir desde o trabalho mais ou menos combinatório com morfemas e lexemas (Erb), passando pela organização gradativa e contrapontística de paroxismos de som e de léxico (Heidsieck) e pelo jogo com lexemas inexistentes mas etimologica ou fonologicamente sugestivos (Pastior), até à escultura-som (de que A. Aragão deu um exemplo na PO.Ex 80, com o POEMA-URRO).

{bibliografia}

A. Spatola, Verso la poesia totale, 1978; A. Tufanov, Zu Sa-Um, 1989; C. Scholz, Untersuchungen zur Geschichte und Typologie der Lautpoesie, 1985; D. Higgins, A dialectic of centuries, 1978; E. Eisenberg, The Recording Angel. Music. Records and Culture from Aristotle too Zappa, 1987; E. Minarelli, Vocalità & Poesia, 1995, H. Chopin, Poésie sonore intrnationale, 1979; J.-P. Curtay, La Poésie Lettriste, 1974; J. Cage, Empty Words. Writings ‘73-’78, 1981; J. Grayson (ed.), Sound Sculpture. A collection of essays by artists surveying the techniques: applications; and future directions of sound sculpure, 1975; P. Zumthor: La prezenza della voce, 1984; R. Kostelanetz, Text-sound texts, 1980; W. Furlong, Audio Arts, 1992.

DISCOGRAFIA: A. Ginsberg, Howl and other poems, 1959; A. Lora-Totino, Storia della poesia sonora, 1988; B. Heidsieck, Canal Street, 1986; E. Jandl, Bist eulen?, 1984; E. Minarelli, The sound side of poetry, 1991; H. Chopin, Audiopoems, 1979; R. Kostelanetz, Invocations, 1984; V. Radovanovic,Voice from the loudspeaker, 1975.