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O conselho de Horácio na Arte Poética, 361 (Ut picture poesis) só em interpretação algo distorcida pode levar a qualquer espécie de fundamentação das carmina figurata, dos poemas visuaus que povoaram a Idade-Média. Também o dito do poeta Simónides (IV-V a. C.) de que a pintura deverá ser uma poesia silenciosa, e a poesia uma pintura falante, não fundamenta teoricamente as technopaignia os poemas visuais gregos. Em ambos os casos estão a fazer-se predicações metafóricas.

No ensaio do “Laoconte”, Lessing refere estas fontes, para começar por reflectir sobre os efeitos negativos que tiveram na poesia (descritivismo) e na pintura (mania do alegorismo). Procede depois à delimitação do espaço dos dois media (de certo modo antecipando Mcluhan), sem que se vislumbre qualquer postulação de visualismo no texto. Mas a partir do séc. V a. C. estão documentados textos organizados visualmente, assim O Acéfalo, conservado num dos “Papiros mágicos”: uma figura humana com cabeça de cobra, um ramo de louro das mãos e um objecto não identificável na outra, o corpo recheado de letras e rodeado de fórmulas mágicas. Do séc. III a. C. é o Ovo de Símias, um texto organizado em forma de ovo, com várias cascas de leitura, que se descreve a si mesmo como “ovo de rouxinol”, ou seja, como depósito de regras poéticas. Outros textos antigos conservados em vários códices (como o Phainomena de Aratos, do séc. X), assim como tradição dos “Altares”, que desde o séc. II a.C. até ao Barroco existem em profusão, apontam para uma figuração redundantes do texto, quase sempre com carácter mágico, de exorcismo ou invocação. A álgebra cabalística (as diversas formas de leitura por enigmas) parece ter sido outra das fontes destes textos (Rábano Mauro). Com o Barroco privilegia-se o carácter lúdico e mundano (adivinha, rebus) dos textos visuais, por vezes com um toque de alegoria mística.

O mundo árabe é fértil também em exemplos de textos alegóricos organizados figurativamente. O “rabo do gato” de Lewis Carroll, e ainda os Caligramas de Apollinaire podem considerar-se igualmente figurações redundantes (o significante adquire disposição visual que coincide com o significado).

Mallarmé é o iniciador duma filosofia estética que abre espaço a texto que vão além do visualismo recreativo do sentido intelectual: “(…) la gigantesque et minutieuse construction mallarméenne, qui aboutira au projet et aux notes du Livre, et qui consiste à mettre la langue dans ce qu’on pourrait appeler un état de nécessité absolue, cela depuis la construction du moindre hémistiche jusqu’à l’abolition de toute la littérature et de toute la réalité dans ce Livre” (Campion, cit.). A estética mallarmaica da negação (da suficiência do sentido da língua) pode associar-se à teologia negativa, que postula a impossibilidade de chegar à essência divina através do processo humano de conceptualização. A teologia negativa conduz à via mística, assim como a negação da língua levou Gomringer a dizer que o poema concreto ideal teria apenas uma palavra.

No Dadaísmo juntaram-se as duas linhas mencionadas (a redundante lúdica e a filosófica mallarmaica) e, depois de anunciada e enunciada a Poesia Concreta, a Poesia Visual encontra-se na confluência destas três ideias de texto, assumindo em diversos espaços de cultura e língua interesses diversos, e integrando-se até em designações genéricas distintas (Poesia experimental, Literatura de vanguarda, entre outras).

Para S. J. Schmidt, a Poesia Visual é o espanto do falante perante a própria língua, concretizado em evento estético na frágil fronteira entre percepção óptica e linguística. Gappamyr distingue a poesia discursiva da poesia visual através dalguns tópicos. Ponto de partida dapoeisa discursiva: percepções, experiências, lembranças. Ponto de partida da Poesia Visual: conceitos e signos. Forma linguística da poesia discursiva: frases, estrofes em sequência convencional, paradigmas integrados no sintagma, metáforas, símbolos. Forma linguística da Poesia Visual: substantivos, verbos, adjectivos, advérbios isolados, sílabas. Ausência de sintaxe no sentido convencional. Ausência de metáforas. Schmidt considera que do ponto de vista linguístico o texto visual é ainda-língua, e do ponto de vista comunicativo é ainda-linguagem; encontra-se na fronteira entre já-língua e ainda-língua, já-sentido e ainda-sentido, ou seja, o texto visual opera a nível meta-semântica, não argumentando nem demonstrando, mas sim mostrando o sentido.

No limite, o poema visual opera com toda a espécie de recursos retóricos de iteração, gradação e cruzamento e procede a quebras do estatuto grafético, grafémico, morfológico e fonológico das unidades linguísticas, assim, p. ex. no conhecido sol-die-r de Emmett Williams, em que a sílaba criada no interior de soldier (die) contra as regras fonéticas e fonológicas nem precisava (a não ser por reforço visual) de estar destacada a vermelho-sangue.

São incontáveis os processos utilizados na Poesia Visual: serialismo, minimalismo, caligrafias, heterografias, semioses múltiplas, paralelas e cruzadas, jogos com sinais diacríticos e algarismos, notações geométricas, antagonismos semântico-contextuais, etc. Talvez S. J. Schmidt aponte o verdadeiro caminho da recepção da Poesia Visual, ao declarar que ela é um “processo estético”. Processo em que a perspectiva macro e microestética coincidem (as linhas-mancha do texto são substituídas pela superfície ou mesmo pelo volume textual), e essa é provavelmente a grande marca distintiva destes textos. de facto, seguindo a terminologia de Max Bense, pode considerar-se que neste caso mistura e reportório coincidem, assim como coincidem forma e configuração. O todo estético está em cada parte material, o que justifica que a Poesia Visual se reclame categorialmente de arte integral.

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