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Segundo a tradição gramatical, consiste em duas ou mais significações de um único vocábulo (ou nome). Por exemplo, tem-se “mão”, nas seguintes ocorrências: “Feriu-se na mão”, “Deu a mão de sua filha a João”, “Passou duas mãos de tinta no muro”, “Esta rua é de mão única”. Tal conceituação, porém, não abrange todo o espectro da polissemia, haja vista implicar em usos dicionarizados, a partir de uma significação primeira e de uso em diferentes contextos. Tornar-se-ia, pois, inviável afirmar-se que um texto, sobretudo o literário, é polissêmico ou que admite duas ou mais leituras. Daí, preferir-se a conceituação na linha de A. J. Greimas, ou seja, polissemia como incidência de dois ou mais sememas (v. verbete) no interior de um lexema. Assim, num texto, o nível imanente (a que pertence o núcleo sêmico ou figura nuclear) garantirá a unidade significativa, enquanto, no nível manifesto, os classemas promoverão as diversas leituras válidas de um texto. Ilustremos com um soneto de Carlos Drummond de Andrade:

ÁPORO

                                                                          Um inseto cava

cava sem alarme

perfurando a terra

sem achar escape.

Que fazer, exausto,

em país bloqueado,

enlace de noite

raiz e minério?

Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se. (In: A Rosa do Povo)

A primeira leitura, obviamente, será a da manifestação poética. Esta se constrói com três isotopias: a primeira refere o fazer do insecto e prepara a segunda, implicando o labirinto; já a terceira, revelando a orquídea, irrompe como surpresa. Se considerarmos as acepções de ‘áporo’, num bom dicionário (o Dicionário Prático Ilustrado Lello, em nosso caso), assim as obteremos: “Problema de difícil resolução. Bot. Planta da família das orquidáceas. Zool. Insecto himenóptero.” Já o Grande Morais e Silva abre dois verbetes para ‘áporo’, figurando no primeiro apenas o inicial do Lello. Ou seja: estamos diante de um caso de homonímia ou de polissemia? O poeta valeu-se de três sememas que possuem como figura nuclear o sema /não abertura/, equivalente a “mistério”, actualizando uma polissemia. Atesta-se a polissemia com a possibilidade de uma leitura metafórica (em nível de metalinguagem), em que o actante (poeta) constructor inconsciente de um labirinto (seu fazer poético) não compreende o eclodir, a formação de uma orquídea (seu poema).

Bibliografia:

A. J. Greimas: Sémantique structurale (Paris, 1972); A. J. Greimas: Sémiotique (Dictionnaire raisonné de la théorie du langage) (Paris, 1979); S. Ullmann: Semântica (Uma introdução à ciência do significado) (Lisboa, 1967).