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Termo para designar um discurso produzido a propósito de um texto que antecede e introduz. O prefácio inclui-se na matéria paratextual de uma obra, isto é, no conjunto de discursos da responsabilidade do próprio autor, do editor ou de terceiros que acompanha materialmente o texto prefaciado enquanto livro.

A variedade designativa destes paratextos é enorme. Com frequência, os termos “prefácio”, “prólogo”, “proémio”, “advertência” ou equivalentes confundem-se no sentido genérico de texto preambular. É por isso importante especificar as propriedades que dão consistência ao texto prefacial, definindo-o enquanto género. Em Seuils, Gerard Genette ocupa-se precisamente deste estudo e daquilo a que chama a função prefacial.

A história do prefácio como elemento paratextual remonta à Antiguidade. Numa fase a que Genette chamou “pré-histórica” – de Homero a Rabelais -, os prefácios são breves e simples. Quando a obra não se inicia ex-abrupto, a função prefacial é assumida pelas primeiras linhas do texto. Deste modo, encontramos já textos de conteúdo prefacial na Proposição e na Invocação da Epopeia, no Exórdio da Retórica e mesmo nas primeiras páginas das obras historiográficas. No texto dramático clássico e medieval, apenas a comédia contempla a existência de prefácio na forma de um monólogo inicial de advertência/comentário ao público enunciado por uma personagem, como acontece por exemplo no Anfitrião de Plauto (neste ponto convém não confundir a função do prefácio com a do Prólogo no teatro). A era da oralidade e do manuscrito caracteriza-se, pois, por uma economia de meios que dissimula a prática prefacial.

O prefácio mais longo e separado do texto por estratégias tipográficas liga-se à existência do texto impresso , pelo que, a partir do século XVI, o prefácio ganha visibilidade, assumindo um estatuto textual relativamente autónomo e consolidando as suas características. Nesta fase, os prefácios de Rabelais têm um valor inaugural simbólico por serem dos primeiros a surgirem destacados. Embora mantendo uma estrutura que lhe dá consistência, o prefácio sofre, ao longo dos tempos, uma dinâmica de actualização que acompanha a própria história literária. Torna-se mesmo possível estudar a evolução das ideias literárias, ou outras, a partir da leitura destes discursos anexos que, muitas vezes, revelam lugares-comuns epocais, enformando uma estrutura teórico-literária (deste modo, por exemplo, pela leitura de vários prefácios produzidos no período barroco, em Portugal, infere-se que as problemáticas do decoro e da modéstia (falsa ou não) são duas constantes nesta época; em 1827, ficou célebre o prefácio de Vítor Hugo a Cromwell, que consagrou os princípios programáticos do romantismo francês).

Tradicionalmente, o prefácio figura entre as partes eventuais de um livro, justificando-se em obras já destinadas à publicação. É um pré-texto, surgindo por isso no início da obra, onde, não raras vezes, passa despercebido à maioria dos leitores. No entanto, alguns escritores têm transgredido e acentuado, pela quantidade ou localização, esta topologia do prefácio, usando-o(s) no corpo do texto principal ( técnica empreguada, por exemplo, em Tristram Shandy, de Laurence Sterne, e em Naked Lunch, de William Burroughs). No que se refere ao núcleo informacional, o prefácio não pretende resumir nem desenvolver os conteúdos presentes na obra que antecede. Apresenta-a, podendo indicar o assunto, os objectivos e o contexto de produção da obra, a metodologia seguida e algumas estratégias de leitura assim como comentários que não integrariam de modo coerente o texto principal. Deste modo, no prefácio é legítimo transgredir, por exemplo, as normas de objectividade características da redacção científica, pelo que vários destes textos se assumem como discursos de grande valor literário, didáctico e/ou polémico. Por este motivo, e também porque não são necessariamente da responsabilidade do autor da obra, os prefácios são, na sua maioria, textos assinados. O seu autor pode ser o mesmo do texto principal, uma personagem desse texto (tratando-se de uma obra de ficção) ou uma terceira pessoa que, pelo seu mérito, é convidada a apresentar o livro (De Profundis – Valsa Lenta, de José Cardoso Pires – D. Quixote, Lisboa, 1997 – é precedido do prefácio “Carta a um Amigo Novo” do Professor João Lobo Antunes, neurocirurgião de renome, cuja escolha vai ao encontro da temática trabalhada no livro). Sendo de autoria variável, o prefácio assume sobretudo uma função de apresentação/comentário da obra, mantendo-se, tradicionalmente, à parte da estrutura interna desse texto. Quanto ao destinatário do prefácio, ele é também o leitor do texto principal. O prefácio postula uma leitura iminente da obra sequente, pelo que incluí com alguma frequência comentários preparatórios da leitura que ajudam a determinar, à partida, o seu leitor ideal.

Este é, em suma, o horizonte de expectativa do prefácio: um discurso explicativo/justificativo de autoria variável que envolve o seu locutor e que se constitui, na maioria dos casos, como metatexto. Em última análise, nas palavras de Herberto Helder, «Todo o livro vai sendo o seu prefácio, e o posfácio, / a inacessível e pronta acessível evidência» (Edoi Lelia Doura).

{bibliografia}

AA. VV. Para uma História das Ideias Literárias em Portugal ( 1980); Carlos Ceia, Normas para Apresentação de Trabalhos Científicos (6ª ed., 2006); Gerard Genette: Seuils (1987) ;

http://vbookstore.uol.com.br/ensaios/prefacios.shtml