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Segundo o Dicionário
etimológico
 Nova
Fronteira da língua portuguesa
, de Antônio Geraldo da Cunha,
“provérbio sm. Máxima ou sentença de caráter prático e popular,
comum a todo um grupo social, expressa em forma sucinta e
geralmente rica em imagens” (p. 643). Sem 
deslindar a real etimologia do termo em pauta, o
dicionarista informa que “provérbio” deriva do latino
proverbium. Na
realidade lingüística, “proverbium
resulta da aglutinação do advérbio 

latino “pro”,
que se traduz, em vernáculo, por “a favor”, com
 o substantivo latino
neutroverbum”, que

 
originou, em
português, o nome “verbo”. Por conseguinte, a tradução original
de “proverbium
 seria “favorável ao
verbo”, significando uma situação de exaltação retórica.

 Então, o significante “provérbio” já
 carrega em si
 uma aura, um ar 
sacro, um quê oracular, traços esses fixados pela Bíblia,
cujo livro, precisamente designado
Livro dos provérbios
 ou
Provérbios de Salomão,
faz parte dos Livros
sapienciais
ou
filosóficos
(os outros dois são
e
Eclesiastes)

do Antigo Testamento, tendo como propósito, como reza sua
introdução,

ensinar a alcançar a sabedoria, a disciplina e uma vida prudente
e a fazer o que é correto, justo e digno. Fica, portanto, claro
o caráter do livro, que é uma antologia de parábolas. Como
acontece na Bíblia – livro de livros -, não há uma
 autoria específica
 de o
Livro dos provérbios,
atribuídos, em sua maioria, como o título indica, ao rei
Salomão, filho do rei Davi e de Bate-Seba, que governou Israel
de 1009 a 922 a.C.

Estas locuções latinas, inscritas na retórica antiga, confirmam
a autoridade sacra dos provérbios: “proverbi
locum obtinere
”( “torna-se proverbial”); “
quod proverbi loco dici
solet
” (“o que se costuma dizer proverbialmente”). Daí,
certamente, nosso  adjetivo
“proverbial”, significando “notório”, “conhecido”.

 Talvez
por sua ligação bíblica, o provérbio manifesta-se como o
discurso da sabedoria, que deve ser proferido e praticado por
todos. Parente próximo, quiçá um irmão siamês, do clichê, do
aforismo e da frase-feita, o provérbio circula, divulga-se
facilmente e se pronuncia automaticamente em bocas as mais
diversas. É notável a força de propagação de um provérbio, que
abole fronteiras, invade culturas, ultrapassa barreiras
temporais. Existe uma correspondência incrível e instigante
 entre provérbios de
culturas, distantes geográfica e cronologicamente.

 Da universalidade e
da correspondência dos provérbios dá conta, por exemplo, o livro
Todos os gatos são pardos,
antologia de provérbios, do carioca Álvaro Valle (1934-2000),
que, para além de elencar uma ampla série de provérbios, com
suas respectivas traduções (quando as há), em vários idiomas,
inscreve uma narrativa, ilustrando o provérbio, como 

o texto infra,
que situa, humoristicamente, 
o provérbio-título do volume:

“(…) No interior do Mato Grosso, a mulher de um fazendeiro que
fora a Corumbá, volta mais cedo, e chega à casa, de surpresa, à
noite. Ouve barulho em seu quarto. Entra e vê saindo pela janela
um vulto de mulher com uma capa cinza. O marido rapidamente
explica. Era um gato que ‘agora vem me amolar todas as noites e
eu tenho de abrir a janela para ele sair. Você não viu a cor? À
noite, todos os gatos são pardos’.

Meses depois, aconteceu o contrário. O marido cancela uma viagem
e, quando chega, surpreende o capataz, pulando a janela do seu
quarto. Quando vai falar, a mulher, de pouca imaginação, mas
insinuante, encosta-se na janela e diz ao marido: ‘Miau…’.

Foi a última vez que ela miou. O enterro foi no domingo, com a
presença do prefeito e do delegado. Do capataz, nunca se achou
nem o corpo” (p. 27).

Quanto à não-correspondência de certos provérbios, o autor cita,
como exemplo,  o
inglês “An apple a day
keeps the  doctor
away
(p. 9) de que, em Minas Gerais, encontro uma versão,
substituindo a maçã californiana pelo sol tropical: “Em casa em
que entra o sol não entra o médico”.

 Fonte inesgotável de
pesquisa e suporte deste
Dicionário de termos literários,
a
Internet abriga
inúmeros sites de
provérbios, que constituem, ao fim e ao cabo, um jogo, em que a
sabedoria, ditada por discursos ideológicos, inculca, através de
sedutoras figuras de linguagem, principalmente, o paradoxo
princípios, preceitos, conceitos e preconceitos nas
gentes, nem sempre atentas ao automatismo e à repetição que, sob
a máscara da inocência batismal, forja mentalidades. Eis um
rápido exemplo literário, retirado do
 Antigo Testamento:
“Debalde se lança a rede diante daquele que tem asas”. A própria
antologia de provérbios, elaborada em 1996 pelo político e
escritor Álvaro Valle, já insere, em seu prefácio

um elenco de sites,
incluindo, por exemplo, provérbios africanos (Uganda, Nigéria),
bem como coleções universitárias (p. 8-9).

 Como tratei no
verbeteEstereótipo”, o provérbio representa, por sua vez, a
doxa, sendo  a
cristalização do senso comum e reafirmando 
a ideologia, muitas vezes dominante, no sentido marxista.
A citada canção de Chico Buarque, “Mulheres de Atenas”,
descontrói a força ideológica dos provérbios, denunciando na
Grécia, berço da filosofia ocidental e criadora do signo
“democracia” (signo, apenas, que jamais correspondeu, em lugar
algum do Globo, a uma realidade), uma terrível misoginia; mas o
poema do poeta carioca constrói uma outra ideologia do
provérbio, ou seria um espelho às avessas da sabedoria popular,
visualizada na imagem clássica da mulher submissa. Também o
semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980) combate, até à
morte (por não ter visto o sinal, ele foi atropelado por um
caminhão, em frente mesmo do
Collège de France, em
Paris, onde pontificava) o clichê, o estereótipo, o provérbio,
enfim, lugares onde mora “o monstro da ideologia”. Fazedor de
frases de efeito, o autor de
Leçon (1978)

não ficou, porém,  incólume
à feitura de provérbios ou aforismos, que têm orientado toda uma
geração, como:

« La langue, comme
performance de tout langage, n’est ni réactionnaire ni
progressiste; elle est tout simplement fasciste; car le
fascisme, ce n’est pas d’empêcher de dire, c’est d’obliger à
dire
.» « Quand je me
sais photographié, je me transforme en image… »
« Qu’est
ce que la théâtralité ? C’est le théâtre moins le texte, c’est
une épaisseur de signes et de sensations qui s’édifient sur la
scène à partir de l’argument écrit. »

  Já no paradgmático
Livro dos provérbios ,
o provérbio assume formas literárias diversificadas, como a
própria sentença, uma breve narrativa, a parábola e até a forma
poética, em que se vaza este provérbio árabe:

"Não diga tudo quanto sabes
não faças tudo quanto podes
não creias em tudo quanto ouves
não gastes tudo quanto tens

porque

quem diz tudo quanto sabe
quem faz tudo quanto pode
quem crê em tudo quanto ouve
quem gasta tudo quanto tem

muitas vezes

diz o que não convém
faz o que não deve
julga o que não vê
gasta o que não pode".

A  título de exemplo, eis
uma recolha de provérbios de várias origens:

Chineses:

"O grande homem é aquele que não perdeu a candura de sua
infância"

"Longa viagem começa por um passo."

"Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha
lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida."

"A palavra é prata, o silêncio é ouro."

"A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o
coração?"

"O cão não ladra por valentia e sim por medo."

"A língua resiste porque é mole; os dentes cedem porque são
duros."

"Antes de dar comida a um mendigo, dá-lhe uma vara e ensina-lhe
a pescar."

"Os sábios não dizem o que sabem, os tolos não sabem o que dizem
"

"Não há que ser forte. Há que ser flexível."

"Um homem feliz é como um barco que navega com vento favorável."

Japoneses:

"As dificuldades são como as montanhas. Elas só se aplainam
quando avançamos sobre elas."
"Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota."

Egípcio:

"Todo mundo tem medo do tempo; mas o tempo tem medo das
pirâmides."

Judaico:

"Não há melhor negócio que a vida. A gente a obtém a troco de
nada."

Iugoslavo:

"Diga a verdade e saia correndo."

Italianos:

"Um homem está não onde mora, mas onde ama."

"Não vá o sapateiro além dos sapatos."

Persas:

"Não ergas alto um edifício sem fortes alicerces; se o fizeres
viverás com medo".

"Quando alguém ferir sua vaidade, não pense que sua honra foi
atacada".

 

           

Receptáculo de certa sabedoria, da verdade e da inverdade e das,
como queria Nietzsche (1844-1900), “versões da verdade”, o
provérbio constitui um dos simulacros da própria linguagem,
sempre em busca de si mesma.

{bibliografia}

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

VALLE, Álvaro. À noite todos os gatos são pardos. Antologia de provérbios. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 1996.

http://paginas.fe.up.pt/~fsilva/port/proverbios_pop.htm (acesso em 20/X/09)

http://www.bibliacatolica.com.br/01/24/1.php (acesso em 18/X/09).