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Associa-se geralmente o romance de aventuras a um tipo de ficção inferior, de estatuto ambíguo, devido à centralidade nele do elemento de ficção, da sucessão de aventuras, e provavelmente também dada a sua popularidade enquanto ficção para crianças e jovens, leitores geralmente considerados menos experientes e mais interessados no desenrolar do enredo do que nas novidades ou complexidades estruturais, psicológicas ou verbais de uma narrativa. De facto, por um lado, o romance de aventuras evita confrontar a densidade psicológica ou problemática das personagens, preferindo sublinhar o desenrolar de espaços, (que se transformam, por vezes, em tempo de maturação das personagens), e colocar frente a frente o herói com ambientes hostis, que ele é capaz de dominar; o interesse pelo primado do acontecimento e por locais exóticos, que, ao longo do século XIX, os cultores britânicos do género vão gradualmente interligar ao interesse dos leitores pelo mapa geográfico de dominação do Império Britânico, não surgem constrangidos por preocupações de verosimilhança, já que a distância geográfica parece permitir o exagero e ditar o inesperado. Por outro lado, o romance de aventuras e a aventura em si parecem configurar um leitor implícito jovem ou adolescente, tanto mais quanto, na maior parte das narrativas, a personagem principal é um jovem, em viagem, confrontado com perigos e com o extraordinário, apoiado por uma figura de autoridade (paterna) ou por um companheiro fiel, que lhe obedece cegamente; no final, o herói é recompensado com valores espirituais ou materiais e regressa ao ambiente doméstico. Com todas as suas ramificações para a história infantil de aventuras, para o romance policial, para o romance de espionagem, para a ficção científica, para as histórias do oeste americano, para as histórias de aviação, o romance de aventuras aparece gradualmente configurado como uma forma popular, inferior, escapista, de escrita formulaica, e, para certos críticos, produto e sinónimo de declínio cultural. O facto de o romance de aventuras agradar ao leitor médio, pela sua fuga ao familiar, ao quotidiano e à rotina, e de abrir para ele um espaço imaginável, redu-lo, aos olhos da maioria dos críticos literários, a um tipo de ficção escapista. Apesar do arrastamento do romance de aventuras para a esfera do entretenimento, ele partilha, porém, com o mito, a epopeia e o romance medieval, a acção heróica e cavalheiresca de um herói errante, envolvido na aventura que é a sua auto-descoberta, deslocando-se geograficamente no mundo concreto, detalhadamente descrito. Arquetipicamente, o romance de aventuras realça o carácter do herói, super-humano ou igual a todos nós, e narra a sua vitória sobre os obstáculos que enfrenta, numa sucessão de espaços de aventura, cultural e historicamente variáveis, que tanto incluem buscas do Santo Graal, como missões de espionagem, ou viagens no tempo.

Apontam-se geralmente Treasure Island (1883), de Robert Louis Stevenson (1850-94), e King’s Solomon Mines (1886), da autoria de Rider Haggard (1856-1925), como os textos clássicos e pioneiros do romance de aventuras, caracterizados pela sucessão de aventuras inesperadas e imprevisíveis, embora racionalmente explicáveis, pela presença de piratas, de bons e de maus, de tesouros e de esconderijos. Stevenson e Haggard teriam buscado inspiração em histórias de aventuras marítimas do século XVIII, como Robinson Crusoe (1719), de Daniel Defoe (1660-1731), ou Gulliver’s Travels (1726), de Jonathan Swift (1667-1745), em uma tradição romanesca inspirada nas aventuras sociais e sexuais de Henry Fielding (1707-54) e de Tobias Smollett (1721-71), bem assim como em penny dreadfuls e em chapbooks, escrita popular e sensacionalista. Em Stevenson, porém, realça-se uma tradição séria do romance de aventuras, comentando-se os empréstimos intertextuais do texto de Stevenson de: Robinson Crusoe, de Edgar Allan Poe (1809-49), de Masterman Ready (escrito por Frederick Marryat (1729-1848) em 1841), de Washington Irving (1783-1859), ao mesmo tempo que se realça a ambiguidade moral do texto Stevensoniano e o jogo narrativo complexo entre o ponto de vista do jovem e a narração de um adulto, que coloca em cheque a experiência de vida do jovem. Joseph Conrad (1857-1924) sustêm, na linha de Stevenson, a relação da aventura com a sua significação simbólica, abrindo os textos a sistematizações culturais, filosóficas, morais e epistemológicas, ao mesmo tempo que prescinde de uma das convenções do romance de aventuras: o final feliz e a vitória do herói. F. Marryat, Forrest Reid (1857-1947), R. M. Ballantyne (1825-94), W. H. G. Kingston (1814-80), G. A. Henty (1832-1902), Arthur Conan Doyle (1859-1930), ‘Anthony Hope’ (1863-1933), ao desenvolverem um outro tipo de romance de aventuras, que dramatiza geralmente um jovem inglês em relações coloniais com nativos de todos os quadrantes geográficos, instituem os clichés do género de supremacia britânica, arrogância cultural e racial, bem assim como os parâmetros de classe média em narrativas que, inicialmente destinadas aos adultos, acabam por reunir leitores masculinos, jovens e adultos, pelas fantasias do adolescente masculino que configuram, e lançam a história de aventuras como a tipologia mais frequente da escrita para crianças. Convem, no entanto, distinguir os romances de aventuras para adultos, partilhados por adolescentes, de um outro tipo de ficção de aventuras (o holiday adventure story), criada no início do século XX, propositadamente para crianças, cujas origens se atribuem a Edith Nesbit (1858-1924) e às aventuras das crianças Bastable (The Story of the Treasure-Seekers (1899); The Wouldbegoods (1901); The New Treasure-Seekers (1904)). Estas narrativas infantis propõem enredos que envolvem grupos de crianças, geralmente irmãos, que chegam a um local de férias e aí se envolvem em aventuras de tipo policial ou de mistério, em ambiente quotidiano. Arthur Ransome (1884-1967) e a série de Swallows and Amazons (1930-1947), bem como a série de The Famous Five (1942- ), de Enid Blyton (1897-1968) são exemplos conhecidos de como o romance de aventuras se transformou em fórmula de escrita na literatura infantil. Um outro desenvolvimento do romance de aventuras foi a criação, a partir dos anos 30 do século XX, de super-heróis como Superman ou Batman, em contextos de ficção científica e de fantasia. Sobressaem, no entanto, ao longo do século XX, outros modos de desenvolvimento da história de aventuras, no âmbito da ficção infantil, de forma mais séria, na obra de Alan Garner (1934- ) ou de Philippa Pearce (1920- ), em que aventura, mitologia e magia se interligam em torno de personagens adolescentes, em crise, e se reinstitui a ambiguidade, o conflito de pontos de vista, e as questões sociais contemporâneas.

{bibliografia}

John G. CAWELTI (1976) Adventure, mystery, and romance: formula stories as art and popular culture. Chicago: Chicago University Press; Dennis BUTTS (1992). ‘The Adventure Story?’. In: Children’s Literature in Its Social Context. London: Macmillan; Margery FISHER (1986) The Bright Face of Danger. Seven Oaks: Hodder & Stoughton; Peter HUNT (1994) An Introduction to Children’s Literature. Oxford and New York: Oxford University Press. 30-1, 83-5, 91; Richard PHILLIPS (1997) Mapping men and empire: a geography of adventure. London: Routledge.