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Termo que se aplica normalmente ao romance tradicional do período de apogeu desta forma literária, o século XIX. A partir da crise do romance naturalista (uma das concretizações do romance tradicional), pelos finais do século XIX, abrem-se outros horizontes ao romance, sobretudo pela aproximação do romance ao domínio da poesia. Deste modo, a “abertura” do romance consagra o seu correlativo “fechamento”. O romance fechado caracteriza-se por uma diegese com princípio, meio e fim. O narrador vai apresentando gradualmente as personagens, os meios em que se inserem e conta de um modo progressivo uma história desde o seu início até ao epílogo. Os grandes romances oitocentistas europeus constituem, hoje em dia, uma tradição da narrativa ocidental (como Guerra e Paz de Tolstoi, Eugénie Grandet de Balzac, Grandes Esperanças de Dickens, Os Maias de Eça de Queirós, La Regenta de Clarín, etc.) e são romances considerados realistas (fechados).

O romance fechado encontra-se correlacionado com uma situação narrativa característica da heterodiegese. O narrador heterodiegético, ao se exprimir na terceira pessoa, adopta uma posição de transcendência em relação a factos e personagens na medida em que se apresenta como um demiurgo, que conhece todos os meandros da história. A autoridade implicada permite uma narração neutra e objectiva em que o tempo do discurso é inteiramente manipulado por este tipo de narrador. Regista-se também a ulterioridade da narração em relação à história contada, o que confere “fechamento” à representação narrativa de focalização omnisciente. A focalização omnisciente é panorâmica e totalizante, aspecto que se articula com o facto de estas narrativas serem realistas. Este “fechamento” de tipo realista – encontrado no modelo tido como “clássico” de romance – entra em sintonia com a sociosfera cultural do século XIX, marcada pela necessidade moderna de representação da vida quotidiana e pela crença na materialidade descritiva do mundo inspirada na ciência. O cientismo, emergente sobretudo na segunda metade de oitocentos, impõe à narrativa romanesca o registo realista, panorâmico, neutro e objectivo.

A existência das grandes massas leitoras, saídas das sociedades modernas, justifica também a proliferação de narrativas fechadas. O leitor moderno – anónimo e cidadão médio – procura no romance verosimilhança e realismo na medida em que sente necessidade afectiva e psicológica de se projectar na história que lê por entretenimento e por curiosidade. Este tipo de romance também corresponde a uma busca de conhecimento e de saber sobre a realidade por parte do leitor, isolado no seu anonimato, o que justifica em parte a preferência pelas composições romanescas como construções metódicas e coerentes de final fechado. O romancista é, então, um “cronista” da realidade sua contemporânea, como sugere Almeida Garrett no primeiro capítulo de Viagens na Minha Terra (1846) ou um “secretário” da sociedade do seu tempo, nas palavras eloquentes de Balzac.

A estrutura romanesca fechada, própria do romance realista oitocentista, tem como elemento fundamental da composição a cena. O romance é composto por uma sequência de cenas descritas com o cenário, os diálogos e a acção. A complexidade da intriga é dada através dessa sequência de cenas, que confere à composição um carácter teatral. Esta “teatralidade” do romance cria a noção de clímax, que é um episódio central organizador da progressão da intriga, que define o antes e o depois e que justifica, afinal, a estrutura fechada do universo diegético. Frequentemente, uma das mais valias da leitura de um romance deste tipo consiste no acesso do leitor a um segredo que a intriga vai revelando, o que possibilita “conhecer mundo” através da leitura.

Os realismos europeus, o norte-americano de entre as guerras e o neo-realismo português representaram, em certa medida, o regresso ao romance fechado. Mas estas narrativas representam também uma abertura à realidade social, num tempo de extrema perturbação das sociedades ocidentais. A atenção dada a uma realidade ameaçadora em novos termos (os fascismos, a guerra civil espanhola, a segunda guerra mundial) leva ao esquecimento dos modernismos, a partir de meados da década de 30 e, consequentemente, ao abandono dos experimentalismos associados à forma “aberta” do romance. Apesar do regresso do registo realista do romance e do cunho comprometido da literatura, a narrativa já não é configurada por um ponto de vista estritamente neutro inspirado no modelo científico e laboratorial como aconteceu no romance oitocentista. A composição romanesca pode ser fechada mas os vectores que cruzam a narrativa têm tendência para a complexificar. Este romance é impessoal frequentemente devido à focalização externa inspirada no behaviourismo e na técnica cinematográfica. Trata-se do triunfo da exterioridade (em relação ao extremo subjectivismo do romance psicológico, que lhe é anterior), o que permite ao romancista conceber a personagem como um objecto entre objectos.

{bibliografia}

Aguiar e Silva, Vítor Manuel, Teoria da Literatura, 8ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1991; Albérès, R. M., Panorama de las Literaturas Europeas – 1900 – 1970, Al-Borak, Madrid, 1972; Booth, Wayne C., A Retórica da Ficção, Arcádia, Lisboa, 1980; Magny, Claude-Edmonde, L’Âge du Roman Américain, Seuil, Paris, 1948; Pinto, Júlio Lourenço, Estética Naturalista – Estudos Críticos, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1996; Reis, Carlos, O Discurso Ideológico do Neo-Realismo Português, Livraria Almedina, Coimbra, 1983.