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Termo polissémico utilizado numa grande diversidade de domínios. Designa habitualmente os dispositivos orgânicos responsáveis pela troca de informações com o meio ambiente, falando-se então dos sentidos da vista, do ouvido, do odorato, do tacto e do gosto. É utilizado para designar a direcção ou a orientação de um movimento, tal como, no código da estrada, nas expressões sentido único, sentido obrigatório, sentido giratório. No domínio afectivo, designa intuição, sentimento ou conhecimento imediato, como na expressão: «esta pessoa tem um sentido das coisas muito apurado». No âmbito da filosofia da linguagem, o sentido é um dos efeitos produzidos pelos enunciados. Existem, no entanto, tantas maneiras de entender estes efeitos da linguagem quantas as tradições filosóficas.

A principal característica do sentido, é a sua omnipresença: tudo aquilo que o homem experiencia tem sentido, mesmo que lhe pareça enigmático ou duvidoso. Até uma experiência absurda ou, como costumamos também dizer, sem sentido, continua a ter sentido, pelo menos o sentido de algo absurdo ou sem sentido.

Mas se todos reconhecem a omnipresença do sentido, já é mais difícil encontrar consenso acerca da determinação da sua origem e da sua natureza. Por razões de natureza didáctica, podemos agrupar as diferentes concepções do sentido em três perspectivas fundamentais: a que assimila o sentido à essência dos seres, a que o assimila ao conceito e a que o define como relação, como resultado ou produto da combinação de formas.

Estas três concepções estão associadas a correntes metafísicas que atravessaram a história do pensamento ocidental, retornando regularmente como tendências dominantes. É óbvio que, de cada vez que reaparecem, estas perspectivas se revestem de novas aparências, o que lhes confere uma aparência original.

É em Platão que encontramos, pela primeira vez, a perspectiva que associa o sentido à essência dos seres. No Crátilo, Platão rejeita tanto a concepção naturalista como a concepção convencionalista da linguagem, porque considera ambas as posições como o resultado de uma definição ilusória dos seres. Para Platão, só não é ilusório o conhecimento que provém da contemplação, do desvendamento (em grego: alhthia) das ideias eternas ou da essência escondida das coisas, essência que a alma já contemplara na eternidade, mas que a sua encarnação neste mundo de sombras as fez esquecer. São essas essências que a dialéctica, processo maiêutico que consiste no diálogo ou no questionamento, tem por função rememorar. Para esta tradição, o sentido é, por isso, o resultado de um processo de rememoração, de desvendamento da essência una, imutável e eterna, escondida ou velada (em grego leth) pela diversidade dos entes, realidades aparentes, mutáveis e efémeras.

A perspectiva que associa o sentido com o conceito provém da crítica de Aristóteles à concepção essencialista do sentido que encontramos em Platão. Para Aristóteles, o sentido é o resultado de uma descoberta, no termo do trabalho da razão. No termo do processo de abstracção, a razão descobre pela observação da diversidade dos entes, semelhanças e diferenças. Deste modo, concebe princípios racionais ou conceitos. São os conceitos que, por conseguinte, para o aristotelismo, subsumem os seres singulares e lhes dão sentido.

A definição formal do sentido começou por ser proposta pelos Estóicos e pelos Sofistas, mas dominou, na Idade Média, as controvérsias entre os realistas e os nominalistas ou terministas. Enquanto os realistas, pretendendo continuar fiéis à tradição aristotélica, defendiam a existência real dos conceitos ou dos universais que a razão descobre através da indagação lógica abstractizante dos seres, os nominalistas definiam o sentido como  efeito de linguagem, como uma espécie de fulgurância provocada pelos nomes que utilizamos para designar os seres singulares. A perspectiva nominalista retornou de novo, no nosso século, sob a influência da linguística estrutural.

Mas estas diferentes perspectivas possuem em comum o facto de confundirem o sentido com a significação. É esta assimilação que ultimamente tem vindo a ser questionada pela perspectiva pragmática do sentido. Ao contrário da significação, que tem a ver com a relação das unidades verbais com os conceitos para que remetem, o sentido não seria delimitado pela forma das unidades verbais; abarcaria os enunciados e as unidades textuais mais vastas e teria a ver com aquilo que os falantes visam ou entendem fazer com o uso dessas unidades. Deste ponto de vista, o sentido é uma noção muito próxima da noção de acto ilocutório, tal como foi definido por John Austin e tem vindo a ser reelaborado por vários autores e, em particular, por John Searle.

Assim, além de assegurar as funções designadora, expressiva e significante, a linguagem desempenha ainda a função de elaboração do sentido, processo muito próximo daquilo que os Estóicos consideravam como transformação incorporal dos corpos. Assim, por exemplo, quando o juiz, no exercício das suas funções, declara: «condeno o réu», o sentido é a transformação incorporal que este enunciado produz, ao transformar um réu num condenado. Situando-se dentro desta perspectiva estoicista, Gilles Deleuze acentuaria na nossa época a irredutibilidade ou a incomensurabilidade do sentido em relação à natureza sígnica da linguagem. O sentido estender-se-ia até ao limite do enunciado, abarcando a totalidade do discurso, embora se encontre todo em cada uma das suas partes, correspondendo por isso à orientação global do enunciado, à sua força ilocutória.

{bibliografia}

Gilles Deleuze, Logique du Sens, Paris, ed. de Minuit, 1966; Gilles Deleuze e Félix Guattari, Les Postulats de la Linguistique, in Mille Plateaux, Paris, ed. de Minuit, 1980; Platão, Crátilo.