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(gr. syllepsis ‘ato de tomar em conjunto’ + lat. sillepse) Termo que identifica a figura de sintaxe baseada num, aparentemente paradoxal, princípio ideológico de concordância gramatical. Também chamada concordância semiótica, sínese ou construção ad sensum, “consiste em relacionar um elemento da frase ao que está implícito e não ao que está explícito na forma de outro elemento” (J.M. Camara, DLG). Exs.: a) silepse de gênero: Vossa Excelência (fem.), como sempre, foi honesto (masc.); b) silepse de número: Nós (pl.) fomos eleito (sg.) pelo voto popular; c) silepse de pessoa: Os seres humanos (P6) enfrentamos (P4) muitos reveses. Como figura de linguagem que envolve um desvio de concordância, a silepse deve corresponder a nuanças expressivas da sensibilidade e da imaginação. Caso contrário, a construção pretensamente siléptica representará solecismo (vício de linguagem que caracteriza qualquer erro de sintaxe, inclusive o de concordância). Assim, é preciso ter-se em conta o valor estilístico do “desvio”, a fim de que não se caia na vala comum dos erros sintáticos. Ex.: O pessoal (sg.) estão (pl.) dizendo que a gente (P3) entramos (P4) sem convite. Por esse motivo, é preciso atentar para determinadas constatações: 1) a silepse de gênero, em vez de opção estilística, pode caracterizar a única alternativa do falante, que estará proibido de flexionar o adjetivo sob pena de criar embaraço comunicativo. Exs.: “S. M. (fem.) foi cruelmente injusto (masc.) para comigo.” (A. Herculano, “Cartas”); “A gente (fem.) já está cansado (masc.) de tanto esperar” – casos onde a concordância “gramatical” com injusta e cansada será inviável se a referência for a seres masculinos; 2) a silepse de número só é admissível quando há distanciamento entre o verbo e a palavra que indica a significação do sujeito. Exs.: “Tive a melhor impressão daquela gente (sg.). Bom gosto mostrava (sg.)… Mas que esperavam (pl.) de mim? Que trabalho me dariam (pl.)?” (O. Lessa, “A Greve das Bolas”) – caso onde o plural ideológico prevalece sobre o singular gramatical; ´As Memórias de um Sargento de Milícias (pl.), romance de um jovem jornalista de vinte e dois anos, folhetinista ocasional, displicente das atitudes e convencionalismos literários, (sg.) de sempre surpreender e seduzir os leitores…” (A.S. Amora, História da Literatura Brasileira) – caso contrário de silepse de número, onde o singular ideológico prevalece sobre o plural gramatical; “A gente (sg.+P3+fem.) precisa mostrar às raparigas que não somos (P4) nenhuns miseráveis (*desafortunados) (pl.+*masc.).” (F. Namora, O Trigo e o Joio); 3) a silepse de pessoa só tem valor estilístico quando estabelecida a partir da P6 para a P4 ou para a P5. Exs.: “…os convidados (P6) recebemos (P4) aviso da súbita doença…” (C.C. Branco, “Páginas Sérias”); “Os dois (P6) ora estais (P5) reunidos / numa aliança bem maior / que o simples elo da terra” (C.D. de Andrade, “A Mesa”). Rocha Lima (GNLP) adverte que “a concordância portuguesa tem caminhado no sentido de restringir cada vez mais os fenômenos ideológicos e afetivos em seus sistema, por força da autocrítica coercitiva que a gramática impõe aos que escrevem”. E acrescenta: isso atesta “a escassez de grandes e audaciosos artistas, que não se arreceiam de transcender limites e esquemas em seus formosos momentos de entusiasmo e de luz”. Seu valor expressivo, porém, põe em relevo os aspectos semânticos que as palavras encerram: “Estas figuras todas que aparecem, / Bravos em vista e feros nos aspeitos” (Camões, Lusíadas, VIII, 2); “Pois, senhores, nem o ilustre brasileiro, nem este criado do leitor éramos os mais precavidos dos homens” (M. de Assis, “Bons Dias”, 27/12/1888).

{bibliografia}

Evanildo Bechara: Lições de Português pela Análise Sintática (1988); Vittório Bergo: Pequeno Dicionário Brasileiro de Gramática Portuguesa (1986); J. Mattoso Camara Jr.: Dicionário de Lingüística e Gramática (1981); Geir Campos: Pequeno Dicionário de Arte Poética (1960); F. Lázaro Carreter: Dicionário de Términos Filológicos (1974); Jacinto do Prado Coelho (dir.): Dicionário de Literatura (1994); Celso F. da Cunha & Lindley Cintra: Nova Gramática do Português Contemporâneo (1985); Zélio dos Santos Jota: Dicionário de Lingüística (1976); C. H. da Rocha Lima: Gramática Normativa da Língua Portuguesa (1992); Celso Pedro Luft: Dicionário Gramatical da Língua Portuguesa (1973); Harry Shaw: Dicionário de Termos Literários (1978); Hênio Tavares: Teoria Literária (1974).