0 movimento simbolista encontra na literatura francesa a sua referência fundamental. 1886, vinte anos depois de ter saído o Parnasse Contemporain e vinte e três antes do Manifesto Futurista de Marinetti, apareceu “Le Symbolisme” de Jean Moréas, que o publica, como acontecerá depois com Marinetti, em Le Figaro. Neste manifesto considera?se que o simbolismo é um resultado da própria evolução da literatura, admitindo-se que essa evolução é cíclica. 0 que o caracteriza, segundo Moréas, são as metáforas estranhas, o vocabulário novo harmonicamente sustentado e aberto à valorização do ritmo, particularmente sensível no alexandrino (devido à questão da cesura), etc. Outro aspecto abordado, mas na parte final e brevemente, diz respeito ao “romance simbólico”, que se admite acompanhar a evolução da poesia e centrar?se numa “deformação subjectiva” (a qual assenta neste “axioma”: “a arte apenas deve procurar no que é objectivo um simples ponto de partida extremamente sucinto”). Moréas aponta uma genealogia para esta nova opção literária sendo os mais próximos precursores no caso da poesia Baudelaire, Mallarmé ou Verlaine, e, mais alargadamente quanto à prosa, Stendhal, Balzac, Flaubert e Edmond Goncourt. Em 1886, apareceu também Le Décadent, revista a que está ligado A. Baju, La Décadence, outra revista, de que René Ghil é secretário de redacção e, do mesmo Ghil, o Traité du Verbe, prefaciado por Mallarmé. Saídas no mesmo ano, estas revelam na maioria dos seus títulos uma certa indefinição quanto aos limites entre simbolismo e decadentismo. Se admitirmos que Baudelaire é a referência que vem dos anos 50 (1857 é a data de publicação das Fleurs du Mal), poderíamos, aproximativamente, admitir o desenvolvimento de duas linhas paralelas. Uma — que conduziria ao simbolismo — passaria pelas grandes obras, algumas delas reportando?se aos anos 70, de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud; a outra — que acompanharia o desenvolvimento do decadentismo — seria traçada por Rollinat (Les Névroses, 1883), Huysmans (A Rebours, 1884) ou, já sob a forma de pastiche, pela publicação que H. Beauclair e G. Vicaire fazem de Les Deliquescences (1885), aliás atribuída a Adoré Floupette. Oscilando entre estas duas orientações, dir?se?ia que do lado aos decadentes prevalecia, uma temática, sendo esta marcada por uma tonalidade disfórica, pelo pessimismo, o dolorismo, a nevrose, a deliquescência, retomando estas duas últimas palavras dois títulos atrás referidos; do lado dos simbolistas prevalece uma mais funda consciência do papel que as figuras — símbolo, metáfora, imagem — e o ritmo — em consonância com este corpo figural — desempenham na linguagem poética, o que Moréas traduziu sob uma forma aparentemente enigmática: a poesia simbolista procura “vestir a Ideia de uma forma sensível”. Talvez se possa. ver na obra poética e teatral de um autor belga, Maurice Maeterlinck, o exacto ponto de equilíbrio entre estas duas direcções paralelas; mas será da influência à distância de Mallarmé e Rimbaud que se vai dar a passagem da poesia simbolista para a modernidade, que, inclusivamente, vai permitir uma nova e mais positiva perspectiva quanto à valorizarão do simbolismo.
A influência francesa marcou o nosso simbolismo. Num dos primeiros livros em que se assume esta nova poesia, Oaristos (1890) de Eugénio de Castro, além de explanar algumas das opções estilísticas referidas por Moréas, transcreve uma caracterizagão do estilo decadente — um estilo “reculant toujours les bornes de la langue” — feita por Théophile Gautier. Por outro lado, uma das mais importantes revistas de procedência simbolista, Arte (1899?1900).,apresenta?se como uma publicarão de alcance internacional, com colaboraqão original de Verlaine, Gustave Ihan, Stuart Merril1, etc. No entanto, o simbolismo português pode apresentar características que lhe são próprias a ponto de um poeta dessa geração, António Nobre, ter sido visto como um representante do nacionalismo literário. Paralelamente, importa realçar o facto de, entre nós, os simbolistas apontarem para urna forte renovação da linguagem poética, a qual quebra a tradição literária ao seu tempo e se coloca mesmo, projectivamente, numa linha de evolução que de certo modo conduz ao modernismo. Assim, poemas como “A epifania dos licornes”, “Um cacto no polo” e o texto introdutório de Horas de Eugénio de Castro abrem caminho a uma expressão surrealizante; grande parte da obra de Ângelo de Lima — pelo modo como desarticula a expressão verbal — antecipa propostas da poesia experimental; certos aspectos da poesia de Camilo Pessanha indiciam uma estética interseccionista tal como ela vai ser proposta por Fernando Pessoa. Passando por alto referências mais ou menos circunstanciais, o simbolismo foi objecto de uma reflexão teórica por parte de Eugénio de Castro (cf. o já cit. pref. de Oaristos e colaborarão saída no Jornal do Comércio em 1892), Armando Navarro (cf. revista Os Novos, 1893-94), Carlos de Mesquita (id.) e — tendo sobretudo em vista a obra de E. de Castro — Manuel da Silva Gaio (pref. a Poesias Escolhidas de E. de Castro; pref à 2ª ed. de Horas). Acrescente?se — pela importância que tem para uma. compreensão de problemas relacionados com o ritmo em poesia — a chamada “questão dos alexandrinos trímetros”, publicada em artigos sucessivos e com carácter polémico nas revistas desse tempo Boémia Nova e Os Insubmissos.
Remetemo?nos agora ao primeiro estudo, o de Armando Navarro intitulado “Dos novos e a sua poesia”. Filia o simbolismo na “cultura do eu” (passando do pensamento de Kant e de Taine — pela redução que este faz da filosofia à psicologia — para a obra de M. Barrès, o autor de Le Culte du Moio obra que, aliás, não cita. Isto “explica o carácter subjectivo da poesia dos novistas”. Depois, considera o papel da inteligência — como Moréas, fala em “ideia” — que atinge “formas reflexas dos produtos da sensibilidade”, desempenhando esta, no entanto, um papel primacial na poesia, porquanto as imagens são a “única modalidade sensível do belo”. É, pelas imagens, que o belo se manifesta e este apresenta?se como forma, distinguindo?se da verdade que é própria do conhecimento científico, filosófico, etc. Daí o desvio que se faz em arte relativamente ao “espírito da obra” ou à sua “intenção”, optando?se por um estetismo ou pela consagrada noção de arte pela arte. No caso específico da poesia, importa recorrer a uma “orquestração verbal, atinente a produzir, pela sugestão do som, um estado sensacional” relacionado com um processo intelectual — A. Navarro refere?se a uma “lógica evocação” — e com as decorrentes “modificações de sensibilidade”. Uma outra sugestiva abordagem desta poesia nova encontra?se em Os Gatos de Fialho de Almeida, embora o seu ponto de vista seja francamente recriminatório. Todavia, e precisamente pela negativa, aponta algumas características extremamente importantes : as palavras criam uma ”sinfonia labial”, a significação é obscura ou vaga, a escrita simbolista é “uma espécie de palimpsesto” (sendo, curiosamente, esta a palavra que G. Genette usa ao referir?se a uma “littérature au second degré”, isto é, à possibilidade de um texto se ler num outro e assim sucessivamente). A relação entre sensibilidade e inteligência, apontada sob uma forma um pouco confusa em Armando Navarro, encontra ocasionais referências noutros autores, tendendo para esta posição defendida por Carlos de Mesquita quando nos fala da “faculdade de sentir abstracções o que conduz a uma “quase objectividade de todos os sonhos”. Isto colide com a excessiva valorização da subjectividade emocional ou imaginosa sustentada por um ultra?romantismo que tantos poetas ainda cultivavam; mas, por outro lado, é consentâneo com a interpretarão da “poesia complexa” defendida mais tarde por Fernando Pessoa (A Águia, II série, n°5, 1912), a qual aponta para a “intelectualizagão de uma emoção e a emocionalização de uma ideia”. Para além da importância literária do simbolismo que poderia ser sustentada pela análise textual de obras como as de Camilo Pessanha, António Nobre, Eugénio de Castro, Ângelo de Lima ou — sobretudo no teatro — António Patrício (aspecto esse que não foi aqui considerado e que se poderia alargar à prosa, destacando?se, em 1896, a História dum Palhaço de Raul Brandão), justifica-se que se valorize a sua própria poética ou estética literária. Ela orientar-se-á, de certo modo, para uma modernidade que é aquela que Fernando Pessoa há-de reconhecer em alguns dos textos teóricos que escreveu, ao considerar o papel precursor do simbolismo.
Claude Abastado : Mythes et rituels de l’écriture (1979) ; Edmund Wilson: Axel’s Castle (1931); Fernando Guimarães: Poética do Simbolismo em Portugal (1990); José Carlos Seabra Pereira: Decadentismo e Simbolismo na Poesia Portuguesa (1975); Julia Kristeva: La Révolution du langage poétique (1974) ; Marcel Raymond: De Baudelaire au surréalisme (1933) ; Octavio Paz: Los hijos del limo (1974.
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