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Integrando o domínio da velocidade narrativa e sendo uma manifestação anisocrônica, o sumário é um signo temporal ou movimento narrativo em que o tempo do discurso é menor que o tempo da história. Em termos práticos, pode-se afirmar que há sumário numa obra literária todas as vezes que o narrador resume em poucas linhas ou páginas acontecimentos diegéticos que se desenvolveram durante um período de tempo considerável, de tal forma que se percebe uma nítida desproporção entre a duração da história e a extensão do texto que a veicula. Pelo sumário, vários anos de vida de uma personagem qualquer podem ser contados em, por exemplo, um parágrafo de algumas linhas.

No passo abaixo, o narrador heterodiegético de A cartomante (Obra Completa, 2004, v.2), de Machado de Assis, vale-se de um sumário para indicar que a explicação do triângulo amoroso que enreda as personagens do conto remonta ao passado distante:

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo (p.478).

É de concluir, portanto, que os eventos apresentados em forma de sumário gozam, em tese, de importância secundária na economia da intriga, representando momentos menos dramáticos ou centrais. Veja-se, para ilustração disso, o passo seguinte, retirado do romance Cinco Minutos (Obra Completa, 1959, v.1) de José de Alencar: “Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estúpida quanto pode ser: dormindo, caçando e jogando o bilhar” (p.192).

No que respeita a suas funções mais destacadas, o sumário assegura a transição ou conexão entre duas cenas (Molino, p.270; Prince, p.94), prepara, de forma rápida, ações relevantes (Reis e Lopes, p.399) e sintetiza acontecimentos secundários.

O grau de condensação dos sumários pode variar. Os mais sintéticos aproximam-se de elipses. Bal (p.103), por conta disso, propõe chamá-los “minimal summary” ou “a summary with maximum speed”.

Em matéria de ritmo, o sumário, acelerando a narrativa, confere-lhe rapidez e velocidade, contrariamente aos momentos em que predomina a cena (o tempo do discurso procura ser igual ao tempo da história, instaurando uma isocronia), com a qual o sumário geralmente se alterna ao longo dos relatos, principalmente naqueles de feição tradicional.

{bibliografia}

B. Nunes. O Tempo na Narrativa (1995). C. Reis e Ana C. M. Lopes. Dicionário de Narratologia (2000); G. Prince. Dictionary of Narratology (1987). G. Genette. Discurso da Narrativa (Lisboa, 1995); J. Molino e R. Lafhail-Molino. Théorie et Analyse du Récit (2003). S. Chatman. Story and Discourse: Narrative Structure in Fiction and Film (1993).