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Para inaugurar o verbete em pauta, recorro à tradução, feita pelo português Miguel Serras Pereira, do livro After Babel – Aspects of language and translation (1975), de George Steiner, cujo capítulo 2, “Linguagem e gnose”, inaugura-se nestes termos: “A tradução existe porque os homens falam línguas diferentes. Este truísmo assenta, de facto, numa situação que pode ser considerada enigmática e suscitando problemas de extrema dificuldade psicológica e social-histórica” (p. 78). Quanto a mim, traduzo, parafraseando, algumas “lexias” (“Lexia, unidade de leitura que, como escreveu R. Barthes, ‘compreenderá ora alguns termos, ora algumas frases’; é definida como ‘o melhor espaço possível em que se podem observar os sentidos’. Apud MUCCI, p. 221) da entrada “traducción”, inserida no imperdível Diccionario de filosofía, do filósofo espanhol J. Ferrater Mora ( p. 3555-3556), que, por sua vez, traduz Word and object (Palabra y objecto), de Willard Van Orman Quine (1908-2000). Para explicar a aquisição do aparato lingüístico, esse filósofo estadunidense trata da significação, da sinonímia, da analítica, da referência e da tradução, problemas básicos, intimamente relacionados, devendo-se levar em conta que “el problema de la traducción va, además, a caballo de todos los demás”. Distinguem-se duas espécies de tradução, que são problemáticas, mesmo nos casos que podem parecer os mais normais: a “traducción corriente – la que, por ejemplo, tiene lugar cuando se traduce de una lengua a outra con auxilio de formas verbales similares – o traducción radical, cuando se trata de traducción del lenguaje usado por una comunidad hasta el momento completamente desconocido”. Ferrater Mora assinala que a tese fundamental de Quines é da indeterminación (ou indeterminabilidad: indeterminancy) da tradução, dado que se deve concluir que há uma indeterminação da tradução de um sistema lingüístico para outro, o que acarreta problemas apontados pela hermenêutica.

Etimologicamente, o significante “traduzir”, provindo do latino “traducere”, produz a significação de “fazer passar” – como se passa um anel ou uma senha -, “conduzir alguém pela mão para o outro lado, ou para outro lugar”, “transpor de uma língua para outra”, aparentando-se a outro verbo de movimentação, “seduzir” – “seducere”, no latim originário -, que indica a atração de um lugar (ou pessoa) para outro (ou outra). No campo semântico dos verbos, originados de “ducere”, ocorre, portanto, um movimento, uma atração, um ímã. Ao longo das centúrias, todas as civilizações se têm seduzido pelo ato da tradução como encantamento do outro, como fascínio pelo desconhecido que, num gesto de transposição sígnica, tornar-se-ia o mesmo ou o mais parecido possível, travando-se, dessa feita, um jogo, em que a metalinguagem assume o lugar da orquestração. A Literatura, em especial, revela-se campo úbere de transposição de linguagens, engendrando enriquecimento, não só para a língua para a qual se traduz, ou se transporta o texto, como para a língua vertida, cujos textos circulam além das fronteiras de uma determinada cultura, e que poderá receber efeito dos signos transpostos. Clássica metáforafigura fulcral da linguagem – da leitura, a viagem cabe, belissimamente, à tradução, quando os textos circulam, cumprem travessias, deslocam-se. Aliás, também no significante “metáfora” incrusta-se a significação de “transporte”, “transposição”, “traslado”, conforme rezam os tratos de retórica.

Necessário, absolutamente necessário, é, também, árduo (e esse epíteto “árduo” lembra-me, sempre, o saudosíssimo poeta Maurício Xavier, que assim sempre considerava o trabalho artístico) o processo da tradução, mormente de textos literários em prosa, e, sobretudo, de poemas, dado que o gesto tradutório apresenta, como avisa o experiente tradutor brasileiro, nascido na Hungria, Paulo Rónai (1907-1992), inúmeras “armadilhas”; escritor profícuo e tradutor exemplar, Paulo Rónai tem sido, aliás, objeto de estudos acadêmicos, como na tese de doutorado em lingüística aplicada – ”O tradutor Paulo Rónai : o desejo da tradução e do traduzir” -, defendida, em 2005, na UNICAMP (Universidade de Campinas-SP), por Marieleide Dias Esqueda, que apresenta o seguinte resumo: “Proponho, neste estudo, analisar algumas das notas de rodapé de Paulo Rónai na tradução para a língua portuguesa da obra A Comédia Humana de Honoré de Balzac, com o intuito de discutir que Rónai, na tentativa de traduzir os trocadilhos balzaquianos que chama de intraduzíveis, sofre aquilo que sobra, que resta a ser traduzido. O problema do ‘intraduzível’, declarado nas notas de tradução de Rónai, mostra sua irredutibilidade perante o idiomático da língua em sua atividade tradutória. O intraduzível para Rónai configura-se no momento mais complicado de sua argumentação teórico-prática, é aquilo que o perturba no processo tradutório. Nesse sentido, a partir das questões abordadas por Jacques Derrida, reflito sobre a questão dos limites entre texto e texto traduzido. Trata-se de tentar construir uma ponte entre a questão das notas de tradução de Rónai e a desconstrução, uma vez que Derrida expõe que é na nota que o intraduzível se multiplica, promovendo a disseminação de uma língua em outra língua. O tradutor Rónai, por assim dizer, é levado a participar do jogo do intraduzível, do double bind, sofrendo os limites das línguas”.

No caso da literatura brasileira, urge perguntar: como traduzir, por exemplo, Grande sertão veredas (1956), do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967) que, partindo de uma vasta e original erudição e fugindo, como o diabo da cruz, dos clichês, dos lugares-comuns, do déjà lu, inventa um idioma próprio, recria termos, garimpados tanto na língua arcaica quanto na linguagem popular, incluindo uma musicalidade toda peculiar do linguajar dos sertões de Minas Gerais? Cônscio do embate de toda tradução e, em especial, da tradução de um texto, que faz a alquimia da poesia e da prosa, o médico e diplomata brasileiro manteve contatos constantes com seus tradutores, como, de 1958 a 1957, com o alemão Curt Meyer-Clason, com o italiano Edoardo Bizarri, com quem trocou 72 cartas, e com o uruguaio Ángel Rama. Da importância soberana da obra rosiana, não só no campo da literatura, nacional e universal, como no da tradução, dá conta, por exemplo, o congresso regional da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comprada), realizado na USP, em julho de 2007, onde houve um simpósio, justamente intitulado “Guimarães Rosa e a tradução”, coordenado pelos professores-doutores Andréia Guerini ( UFSC ), Walter Carlos Costa e Marie-Hélène Torres ( UFSC ), que apresentou esta ementa: “São múltiplas as relações entre Guimarães Rosa e a Tradução. Conhecedor de inúmeras línguas estrangeiras, Rosa soube incorporar à sua literatura contribuições de línguas próximas e distantes, atuais e antigas, assim como as variantes dialetais do próprio português. Pode-se dizer, portanto, que a tradução, talvez mais que em qualquer outro autor brasileiro, é parte integrante de sua obra. Por outro lado, por suas características singulares, a língua literária de Rosa apresenta grandes desafios à tradução, vencidos com diversa felicidade pelos tradutores e retradutores às diferentes línguas. Finalmente, o próprio Rosa teve uma pouco conhecida carreira de tradutor, que merece ser investigada. O Simpósio examinará os diferentes aspectos, diretos e indiretos, da relação de Guimarães Rosa com a tradução, importantes para compreender tanto a construção de sua obra como sua recepção no exterior”.

Torna-se, então, uma odisséia o ato tradutório, implicando questões, talvez aporéticas, todavia por demais complexas, resolvidas ao modo de cada tradutor, com suas idiossincrasias, às vezes incompreensíveis. Deixando de lado a questão de o que traduzir, pergunta-se: como traduzir? “That is the question!”, há que se repetir com Shakespeare (1564-1616), traduzido em tantas línguas. Da tradução pode-se dizer como enunciou outro imenso Poeta, Carlos Drummond de Andrade (1902-1985), no metalingüístico “O lutador”, do livro José : “Lutar com palavras/ é a luta mais vã/ Entanto lutamos/ mal rompe a manhã”. Será o tradutor, tal como o poeta, um verdadeiro lutador, no “corpo a corpo” com as palavras, no “combate”, no jogo do amor, quando “entre beijo e boca/ tudo se evapora”, e até quando “cerradas as portas/ a luta prossegue/ nas ruas do sono”. No campo específico da tradução de poesia, a luta é muito mais cerrada, constituindo-se, além de uma técnica, uma arte, comprovada por Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.), que celebra a aprovação das Musas ao canto alternado, ao contracanto, ao contraponto, em que, ao fim e ao cabo, se resolve toda tradução de poemas “Amant alterna Camenae”. Traduzir configura-se , de certa maneira, como fazer poesia, porque se trata, sempre, tanto na arte da poesia quanto na arte da tradução de poesia, de encontrar a palavra justa, o valor justo da palavra, como canta, expressionistamente, no epílogo de “Grito de alerta”, o cantor e compositor carioca Gonzaguinha – Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior (1945-1991), – tragicamente morto numa estrada qualquer do Paraná:

Veja bem! Nosso caso É uma porta entreaberta E eu busquei A palavra mais certa Vê se entende O meu grito de alerta Veja bem! É o amor agitando o meu coração Há um lado carente Dizendo que sim E essa vida dá gente Gritando que não…

Traduzir será interpretar, interpenetrar, “interperpetrar”: esvair-se no autor, desaparecer, explodir nele e com ele. Traduzir torna-se, então, uma festa, um desfalecimento até ao fim do artifício de um privado fogo. Tradução é fusão: questão de respeito. Deparam-nos com diversas teorias sobre a tradução, encarada, ora como reprodução, ora como transcrição, transcriação, transposição, transposição criativa (Roman Jakobson, 1896-1992), reinvenção, ou, até mesmo, como inspiração, como se caracteriza o caso da tradução operada pelo escritor inglês Edward Fitzgerald (1809-1883), que traduziu para o inglês, sem respeito algum pelo original, as peças teatrais do espanhol Pedro Calderón de la Barca e, em 1839, Os Rubayat, do poeta persa Omar Khayyam (1048-1131), que o tradutor, em que pese sua “fantástica invenção”, segundo Jorge Luis Borges (1899-1986), difundiu no Ocidente. ”Qualquer tradução é uma opinião, e quase nunca é o que pretendia ser; será um reflexo daquilo que o tradutor alcança ver, ou pôde ver”, pondera Alfredo Braga, tradutor, para o português, ao lado de Octávio Tarqüínio de Souza, Manuel Bandeira, Jamil Almansur Haddad, dos celebérrimos quartetos persas. Tantas são as estratégias para a movimentação de um texto de sua origem à chegada a uma língua e cultura outras; porque de transposição cultural se trata, na medida em que cada língua constitui o receptáculo de uma cultura ou, melhor dizendo, a cultura é a língua e vice-versa. O fato é que a tradução implica, sempre, uma escolha dentro de um processo seletivo, que melhor sirva aos desígnios de transmitir a realidade de uma língua para a outra. Numa escala móvel de valores, cujo ponto primário seria a tradução literal, aquela que se aproxima, ponto por ponto, do original, percorre-se uma série de gradações, inclusive a recriação, quando o tradutor altera substancialmente o texto de origem, procurando conservar, porém, o sentido.

De acordo com o brilhante tradutor português João Barrento, “tra-dução significa, então, neste plano poético, a criação de entre-textos , às vezes numa espécie de terra de ninguém, mas com um lugar que, como se disse, pode ser determinante na configuração da própria natureza da língua para que se traduz. Tais textos situam-se, na verdade, entre o original da língua estranha e as traduções ditas originais da língua própria, que delas em parte se alimentam, num processo de apropriação e assimilação de matéria alheia, de integração do Outro no próprio. Isso, porém, apenas até um certo limite: o da linha do horizonte que define, aquém e além desse grande processo de osmose, o rosto de cada língua. A língua (literária) portuguesa tem, obviamente, o seu rosto próprio, no próprio rosto da sua melhor poesia. É nesta zona do que de mais intrinsecamente próprio existe em cada língua que, ao traduzir poesia, se depara com o limite da intraduzibilidade, e se entra no espaço do silêncio”.

Ao enfrentar o desafio da natureza da tradução e de seu variadíssimo modus operandi, dialetizam-se as vertentes opostas de literalidade e interpretação. A virtude da tradução estaria no meio, no meio termo, no caminho búdico do meio. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, reza o provérbio. No processo tradutório, o ideal seria, logo, um pouco de literalidade (tradução ao pé da letra ou palavra por palavra…), um pouco de projeção, a consumação de um frágil motim, a ideologia do “quase”: a justa medida, a justa projeção, o justo meio. A um tempo, nada de mais aristotélico, nada de mais matemático, nada de mais poético: a palavra justa, a palavra certa, a palavra adequada. Utopia? Mas, o que seria da arte se não se constituísse um campo indestrutível de utopia, de utopias? O pior assassino é aquele que mata os nossos sonhos, ponderou Virginia Woolf (1882-1941). Traduzir um poema, por exemplo, será traduzir, antes de tudo, a sua significância. No processo da tradução, a linguagem lê-se como dupla: o texto, tanto o original quanto o traduzido, constitui um espelho, espelho que reflete um Real, sempre figurado, refigurado, talvez inalcançável. No poema “Lembrete”, Drummond enuncia:

Se procurar bem você acaba encontrando.

não a explicação (duvidosa) da vida,

mas a poesia (inexplicável) da vida. (p. 1256)

A tradução, negada, questionada, recalcada por muitos que consideram inviável qualquer tipo de tradução, a fortiori a de poemas, fundados, essencialmente, no significante e estruturados nas figuras de linguagem próprias de cada cultura e na índole de cada língua – ritmo, musicalidade, assonâncias, dissonâncias, escansão, polissemia, trocadilhos, sinônimos, homônimos, parônimos, holófrases, metáforas, locuções -, estabelece um diálogo entre culturas, que, na travessia dos signos, no entrecruzamento dos sistemas semióticos, nas vias abissais da tradução, vêem-se ao espelho: o insofismável e esplendoroso espelho das Letras.

No indispensável livro História concisa da literatura brasileira, o duplamente acadêmico (professor da USP e membro da Academia Brasileira de Letras) Alfredo Bosi, tendo citado Jorge Wanderley (1938-1999) como tradutor-recriador de Le cimetière marin (1920), (Cemitério marítimo), de Paul Valéry (1871-1945), e elogiando amplamente José Paulo Paes (1926-1998) – “que soube aliar a riqueza e a liberdade das suas escolhas ao rigor das soluções que encontra para recriar com brio estilos e tons diversos…”-, afirma: “O aparecimento de numerosas traduções de poesia nos anos 80 será talvez o fenômeno mais digno de atenção da nossa historiografia literária neste fim de século. O seu significado é amplo: vai da contínua internacionalização da cultura escrita (o livro de poesia é gato de sete fôlegos…) à crescente profissionalização do ofício de tradutor que o mercado contemporâneo propicia. Mas curiosamente esses fortes mecanismos extraliterários, próprios das sociedades industriais avançadas, não puderam alterar o caráter de todo artesanal que parece inerente à versão poética dos textos poéticos. Assim, os bons tradutores continuam sendo poetas e ensaístas que já deram provas de concentrado labor textual em seus escritos originais. O que confere à tradução um estatuto bivalente de pesquisa lingüística norteada pelo valor de fidelidade (dever das almas doutas) e aventura pelos reinos da criação (prazer das almas belas)”(p. 490). A cada pesquisa sobre tradução, encontramos lenha para a fogueira da tradução, onde signos são queimados para gerarem luz e calor, talvez cinzas de signos- adubos.

Grande teórico, também da tradução, Walter Benjamin (1892-1940), autor de Die Aufgabe des Übersetzers , 1923 ( A tarefa do tradutor ), que serve de prefácio à tradução benjaminiana de Tableaux parisiens, de Baudelaire (1821-1867), é lido (ou traduzido) nestes termos por Mauri Furlan, da USC, em seu ensaio “Linguagem e tradução em Walter Benjamin”: “Muito além do preconceito de traição, que tradicionalmente possa evocar, no pensamento benjaminiano a tradução ressurge excelsa, com uma função redentora. Na hipótese algo platônica e místico-religiosa da existência de uma ‘língua pura’ (reine Sprache), imaterial, supra-sensível, da qual todas as línguas são reflexo, encontra-se a possibilidade real da tradução. Walter Benjamin, em seu famoso texto sobre tradução, A Tarefa do Tradutor, define tradução como ‘forma’, esclarecendo-a também frente a outras definições negativas: tradução não é recepção, não é comunicação, não é imitação. ‘Tradução é uma forma’. A partir desta tese central, Benjamin reconceitua a tarefa do tradutor: trans-pôr, trans-formar. Entenda-se, formar noutra língua, re-formar na língua da tradução a arte do original. Se a tarefa é possível, a tradução é possível! A Tarefa do Tradutor está fundamentada sobre uma concepção de linguagem, uma teoria da linguagem, que Walter Benjamin constrói ao longo de sua obra, onde os textos vão se interligando, dialogando, se traduzindo (…). Depois de ‘inconsiderar’ o receptor, W. Benjamin desloca a importância da ‘comunicação’ da obra de arte e da tradução. A obra de arte não visa a comunicação, mas o que a excede. A arte, para Benjamin, muito mais do que comunicação, é comunhão. Comunhão dos homens entre si e do homem e o objeto. O que uma obra de arte comunica não é o seu essencial; sua essência reside, porém, no indizível, no ‘intangível, misterioso, poético’. Se uma obra de arte literária não visa a comunicação, por que o deveria fazer a tradução de tal obra? Tradução não é comunicação. A comunicação é inessencial na tradução. Uma tradução que pretenda comunicar e servir ao leitor é a priori uma má tradução. ‘A tradução deve, em grande parte, abdicar da intenção de comunicar algo do sentido, o original apenas lhe é essencial na medida em que liberou o tradutor e sua obra do esforço e da ordem da comunicação’. E o que está além da comunicação, no poético, o tradutor pode apenas reproduzir também poetizando, para não produzir uma tradução ‘que se pode definir como uma transmissão imprecisa de um conteúdo não essencial. E nisso permanece enquanto se compromete servir ao leitor’. W. Benjamin também se opõe à tese central da teoria tradicional da tradução que trabalhava sobre a relação entre ‘fidelidade à palavra e liberdade de reprodução do sentido do original’: ‘

A fidelidade na tradução da palavra isolada quase nunca pode reproduzir o sentido completo que possui no original. Pois o sentido se faz conforme sua significação poética para o original. E a significação poética se realiza no como o significado está ligado ao modo de significar na palavra determinada’ (…) Devido à sua complexidade e ousadia, Die Aufgabe des Übersetzers é um texto que, desde sua publicação, tem causado muitas discussões e mesmo leituras completamente divergentes. Paul de Man, por exemplo, referindo-se ao ensaio de Benjamin, afirma que o ‘texto diz que é impossível traduzir’, e argumenta sua tese apontando e confrontando algumas traduções do próprio ensaio de Benjamin, Die Aufgabe des Übersetzters, sobretudo a de Harry Zohn para o inglês e a de Maurice de Gandillac para o francês, nas quais há trechos traduzidos com sentidos totalmente opostos. Para de Man ‘qualquer tradução é sempre inferior em relação ao original, e o tradutor está, como tal, perdido logo à partida’. A esta concepção (tradicional) do teórico, porém, encontramos em oposição um pensamento de Jorge Luis Borges, em As Versões Homéricas, sobre tradução, em que o autor diz que a recombinação de elementos não é obrigatoriamente inferior ao original. A crença na inferioridade das traduções procede da experiência da repetição”(551-556).

Capítulo à parte, no discurso sobre a tradução, a tradução intersemiótica, evidenciando, desde que o mundo é mundo, semióticas heterogêneas, refere a passagem (ou tradução) de um sistema significante a outro, como, por exemplo, do discurso literário ao cinema ou à televisão, dos quadrinhos ao cinema e aos jogos eletrônicos, da imagem visual à imagem virtual e vice-versa, bem como as inimagináveis possibilidades da inteligência artificial.

No universo da tradução, todas as metáforas, todos os símiles, todas as interpretações para descreverem o fenômeno têm seu estilo, um estilo que, como afirmou, em Traducción: literatura y literalidad, Octavio Paz (1914-1998), é translingüístico: "Ninguna tendencia y ningún estilo han sido nacionales (…). Todos los estilos han sido translingüísticos: Donne está más cerca de Quevedo que de Wordsworth" (p 13). No poema “Traduzir-se”, Ferreira Gullar, maranhense, que se traduziu, de há muito, como carioca, trata da poética da tradução, para além do texto, seja literário, plástico, cinematográfico, performático ou outro, mas projetado na própria existência, tradução de… sabe-se lá o quê:

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte?

Inaugurado com uma tradução, este verbete “tradução” incrusta, ao fim e ao cabo, uma mise en abyme e estrutura a metalinguagem essencial, na medida, e na desmedida, em que, sendo a linguagem mesma a tradução de um Real, quiçá inatingível, tudo é tradução de tradução de tradução. Barthesianamente e de maneira irremediável, estamos imersos no “infinito da linguagem”.

{bibliografia}

ANDRADE, Carlos Drummond. José (1942). ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa (2007). BARTHES, Roland. S/Z. Trad. Lea Novaes (1992). BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira (1999). BENJAMIN, Walter. “Die Aufgabe des Übersetzers”, in Gesammelte Schriften, Band IV-1. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1980. Trad. de Mauri Furlan. FERRATER MORA. Diccionario de filosofia (1994). FERREIRA GULLAR. Na vertigem do dia (1975-1980). Furlan, Mauri. “Linguagem e tradução em Walter Benjamin”. In: Anais do XI Encontro Nacional da Anpoll, João Pessoa- PB (1996). MAN, Paul de. “Conclusões: A Tarefa do Tradutor de Walter Benjamin”, in A Resistência à Teoria. Trad. de Teresa Louro Pérez. (1989). MARCONDES, Maria Apparecida Faria. João Guimarães Rosa – Correspondência com sue tradutor alemão Curt Meyer (2003). MUCCI, Latuf Isaias. Signos do corpo: Réquichot, Barthes e nós, os outros. In: alea , studos Neolatinos. Vol. 8, jul./dez. 2007. Paz, Octavio. Traducción: Literatura y literalidad (1990). STEINER, George. Depois de Babel: aspectos da linguagem e tradução. Trad. Miguel Serras Pereira (2002).

http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/46277/

http://www.abralic.org.br/enc2007/ConsultaSimposios.asp?ID_Simp=87

http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000343351

http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/rubayat.html