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É uma figura de retórica e consiste num jogo de palavras, ou jogo do equívoco, sendo que o mais comum é utilizar uma palavra recorrendo ao signo de uma outra, porque as duas são homófonas (por exemplo «conselho» por «concelho») ou servir-se de palavras ou expressões homónimas, utilizando a sua ambiguidade de sentidos. Esta figura de estilo constitui um jogo verbal para tornar animado, ou para avivar um determinado momento da escrita, tendo sido utilizado nas obras literárias, já no tempo de Homero (século VIII a.C.), e depois particularmente recuperado pelos poetas líricos do século XVII, considerado o século barroco. Camões, no século XVI utilizou profusamente o trocadilho, como por exemplo nesta passagem com a palavra pena, tomada por pena de asa, pena de escrever e pena que se sofre: «…Aviva os espritos/ Que, pois em teu favor sou,/ Esta pena que te dou/ Fará voar teus escritos./ E dando-lhe a padecer/ Tudo o que quis que pusesse,/ Pude, enfim, dele dizer/ Que me deu com que escrever/ O que quis que escrevesse.»

Alguns autores consideram que o trocadilho é uma forma de espírito pouco nobre, no entanto outros discordam desta opinião, utilizando esta forma de gracejar com as palavras, com o intuito de enfeitar um texto ou poema, animando passagens, ou tornando-as mesmo engraçadamente anedóticas. Camilo recorre neste passo ao termo «cadeiras», com o duplo sentido de «quadris do corpo» e «cadeira de sentar»: «Viera para a aldeia um médico, já idoso. O seu primeiro doente foi um lavrador que se queixava de fortíssimas dores de costas. O doutor receitou-lhe uma pomada para friccionar as cadeiras com força, à noite e de manhã. Passados oito dias, encontrando o doente diz-lhe o médico: -Então como tem passado? Já não tem dores? – Ai, senhor doutor, as cadeiras estão muito lustrosas, mas eu estou na mesma!»

Podemos distinguir oito modalidades de trocadilhos, das quais já foram exemplificadas as duas mais comuns: trocadilhos que partem de um equívoco entre dois sentidos diferentes do mesmo vocábulo, trocadilhos que derivam da semelhança morfológica dos homógrafos e ainda: trocadilhos baseados nos arcaísmos da linguagem, que só serão entendidos se não os desconhecermos, por exemplo «achaque» com o sentido de doença por «achaque» com o sentido de pretexto ou ocasião; trocadilhos criados por questões fonéticas que se prendem muitas vezes com a pronúncia, por exemplo «A Deus Nosso Senhor», e «adeus, nosso senhor»; trocadilhos que derivam de frases feitas e que apelam à perspicácia mental do leitor/ouvinte, como por exemplo na anedota do homem que pretende atravessar uma ponte que só suporta o peso de 70 quilos. Como o interessado só pesava 65 quilos, inicia a sua travessia, mas esta abate-se quando ele se encontrava a meio do percurso – a razão reside no facto de que «um homem prevenido vale por dois»; trocadilhos que originam da exploração do significado etimológico da palavra, mas que só obtêm o seu efeito se o leitor tiver esse conhecimento – jogando com a palavra «douto», o padre António Vieira escreveu: «Quem não é dócil não pode ser douto, antes a mesma docilidade é um sinónimo da ciência»; trocadilhos que se apoiam na semelhança fonética de duas palavras de categorias morfológicas diferentes ou iguais, como no exemplo das actividades profissionais: «o padeiro faz pão e o pedreiro faz pedras»; trocadilhos baseados na composição das palavras que frequentemente recorrem à troca dos elementos que constituem o grupo fraseológico ou os elementos do composto, como por exemplo quando Aquilino Ribeiro escreve: «Criticar um mestre-de-obras é uma obra-de-mestres», ou «Convencer o mestre-de-obras é de facto, um bico-de-obra».

{bibliografia}

J. Dubois: Retórica Geral, Carlos Filipe Moisés (trad.), Cultrix, São Paulo, 1974; Marjorie Boulton: The Anatomy of Prose, Routledge and Kegan Paul, Londres, 1980.