Expressão latina que dá conta das relações entre música e poesia, artes que usufruíam da protecção das Musas na antiga Grécia. Tal facto já se encontra testemunhado na própria palavra grega mousiké, uma vez que esta significa toda a actividade decorrente da inspiração das Musas, embora possa designar, em particular, a dança, a musica e a poesia. Na Grécia o mito de Orpheu e a poesia lírica (acompanhada por uma lira, flauta ou cítara) constituem nesta época a fusão perfeita das duas artes numa só.
Na Idade Média os hinos litúrgicos e a poesia trovadoresca (cantigas de amigo e cantigas de amor) constituem exemplos bem evidentes do carácter indissociável entre alguns textos poéticos e o respectivo acompanhamento musical, embora tal associação, por vezes, apenas pretendesse facilitar a aprendizagem dos poemas em questão.
No decorrer do século XV, o declínio da poesia cantada prenuncia já a importância da profunda relação entre a poesia e a música face à emergência da poesia escrita. Apesar de tudo, durante o Renascimento e o Barroco, o sucesso alcançado por alguns géneros dramáticos, tais como a ópera, e por géneros poéticos como a cantata e o madrigal ainda atestam a proeminência da relação entre ambas as artes.
No século XVIII a música adquire uma relevância excepcional nas representações dramáticas, uma vez que esta, segundo James Harris, decai invariavelmente «if not maintained and fed by the nutritious images of poetry» (Three Treatises, 1744). Contudo, ainda no decorrer deste mesmo século, a música instrumental irá ganhar um prestígio anteriormente desconhecido, permitindo a transferência gradual de um modelo poético baseado na pintura para um outro baseado na música. O estatuto alcançado pela música instrumental ganha ainda mais proeminência no século XIX com o Romantismo e com a ideia de que a música é a arte suprema por excelência, pois ela, mais do que nenhuma outra, consegue realizar o ideal artístico que identifica a forma com o conteúdo. Esta crença na capacidade da arte musical ultrapassar a barreira da mera significação também atraiu os simbolistas e os modernistas, tendo estes últimos celebrado sobretudo as qualidades formais da música. Poetas como Mallarmé e Wallace Stevens já não mais conseguem conceber a poesia como indissociável da harmonia, sonoridade e ritmo proporcionados pela música, chegando este último a considerar em The Necessary Angel (1951) que as palavras na poesia são, acima de tudo, sons. Tal como sucedeu no domínio das relações entre a pintura e a literatura, também muitos textos poéticos constituiram elemento inspirador de textos musicais, como acontece com o poema «La cathédrale engloutie, de Debussy» de Jorge de Sena. Estes são apenas alguns exemplos que comprovam a actualidade da expressão ut musica poesis, expressão que no campo da literatura tradicional de transmissão oral encontra, ainda no século XX, renovação constante.
Bruce Pattison: Music and Poetry of the English Renaissance (1948); Kevin Barry: Language Music and the Sign (1987); Manuel Pedro Ferreira: O Som de Martin Codax, Sobre a Dimensão Musical da Lírica Galego – Portuguesa (Séculos XII-XIV) (1986); Oliver Strunk (ed.): Source Readings in Music History (1952); Peter le Huray e James Day (ed.): Music and Aesthetics in the Eighteenth and Early-Nineteenth Centuries (1981).
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