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[Do gr. adynaton, “coisa impossível”, também escrito “adínato” em Português] Forma de hipérbole que procede ao exagero de uma realidade natural pela referência ao impossível, pelo que também se chama impossibilia. Trata-se de um artifício muito frequente nas poesias grega e latina de tema amoroso (provavelmente por influência da reductio ad impossibile assinalada na Retórica aristotélica). Ernst Robert Curtius assevera que a sua introdução se deve a Arquíloco (cf. European Literature and the Latin Middle Ages, Princeton University Press, Princeton, 1967). O termo entrou em desuso já na Idade Média, embora as fatrasies do francês antigo usem o adynaton com frequência, sempre apontando para um facto insólito e improvável na natureza para estabelecer uma analogia com o estado de espírito do sujeito desesperado. Posteriormente, os poetas petrarquizantes quinhentistas retomam a sua utilização. Por exemplo, Francisco de Sousa, na trova “Em um caminho”, fala de uma tristeza capaz de escurecer as estrelas: “pus os olhos nas estrelas, / por nam ver por onde andava: / olhando por todas elas, / lágrimas, tristes querelas, / escuro tudo tornava.” António Ferreira, na Castro, dá-nos este bom exemplo: “A terra subirá onde os Céus andam, / O mar abrasará os Céus e terra, / O fogo será frio, o Sol escuro, / A Lua dará dia, e todo o Mundo / andará ao contrário de sua ordem” (Acto I, iii). Registam-se depois exemplos isolados nos poetas maneiristas e pré-românticos. O soneto de Sóror Violante do Céu Será brando o rigor, firme a mudança é uma enumeração de adynata. Tornaram-se conhecidos os anydata do poeta metafísico inglês do século XVII Andrew Marvell, por exemplo em “To His Coy Mistress” e na sua famosa “The Definition of Love”, que começa assim: “My Love is of a birth as rare / As ‘tis for object strange and high: / It was begotten by despair / Upon Impossibility.” Na linguagem familiar, recorre-se com frequência a adynata do tipo: “Ganharás a lotaria no dia em que as galinhas tiverem dentes.”. Não é um recurso raro em muita poesia contemporânea, como podemos testemunhar no poema “Adynata” de David Mourão-Ferreira que começa com a seguinte quadra: “Um rastilho de lepra ao fim da noite branca / Um cancro no pulmão de todas as gavetas / Os ferros da tortura em vez destas varandas / onde brilhava outrora sorriso da seda” (in Do Tempo ao Coração [1962-1966], in Obra Poética, 2ª ed., Presença, 1996).

 

Bibliografia:

 

E. Curtuis: La Littérature européenne et le Moyen Age latin, 2 vols. (1956); Jacinto do Prado Coelho: “Alguns exemplos de adynata na poesia portuguesa”, in Miscelânea de Estudos a Joaquim de Carvalho, nº6 (1961).