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Termo do latim epigramma (“inscrição”), por sua vez do grego epigrapho (“eu inscrevo”), designa originalmente qualquer inscrição tumular, em forma de epitáfio, ou como legenda de um estátua, de uma moeda ou de uma medalha, com fins laudatórios ou depreciativos. O estudo dos epigramas designa-se epigrafia. Uma epígrafe é outro termo variante para a inscrição propriamente dita. A partir do século V a. C., o epigrama tende a normalizar-se em forma de poema breve, usando-se como metros epigramáticos o hexâmetro dactílico, o trímetro iâmbico e sobretudo o dístico elegíaco.

À época do Império Romano, já era utilizado em conversas familiares. A partir do momento em que o epigrama se tornou um texto literário próprio para ser escrito com intenção de se tornar um texto público, alargou os seus modos de expressão, tendo sido bem sucedido no modo lírico, com textos subtis e repletos de sentimentalismo. Só na literatura latina conhecerá um modo mais satírico de expressão, como em Marcial, que, no século I, nos deixou a Epigrammata em catorze volumes, com mais de 1500 epigramas), chegando por vezes ao obsceno como em Catulo. A partir daqui, criou-se um modelo de referência para o epigrama, que é marcado sobretudo pela sua capacidade de concentrar em breves palavras pensamentos ou sentimentos complexos.

Em Portugal, o epigrama impôs-se em muita poesia, a partir do século XVI. No decurso do Barroco, continuou a interessar poetas da Fénix Renascida, D. Francisco Manuel de Melo, Gregório de Matos e outros, mas é com o arcadismo que obteve a maior audiência, graças a Bocage, Cruz e Silva e outros. Luís António de Verney, na sua reflexão crítica sobre a literatura portuguesa em Verdadeiro Método de Estudar, não poupou a falsidade de praticamente todos aqueles textos com pretensões epigramáticas. Discorrendo largamente sobre “os defeitos do epigrama português, cita inclusive Camões como mau exemplo, chamando a atenção para o remate dos sonetos “Sete anos de pastor Jacob servia” (“Começa de servir outros sete anos / Dizendo: — mais servira, se não fora, / Para tão longo amor, tão curta a vida.”) e “Alma minha gentil que te partiste” (“Roga a Deus, que teus anos encurtou, / Que tão cedo de cá me leve a ver-te, / Quão cedo de meus olhos te levou.”). Perante estes pretensos epigramas, comenta Verney: “Considere V. P. sem paixão estes dois sonetos e observe se acha neles o carácter do Epigrama. Eu digo que não; porque o Epigrama deve concluir com algum conceito que agrade e arrebate com a novidade, e deixe entender mais do que não diz; e isso eu não acho em nenhum deles.” A crítica de Verney não se restringe aos portugueses, pois também nos clássicos latinos não acha qualquer virtude: “Os epigramas dos Gregos eram naturais, ainda que com graça; este estilo seguiu Catulo. Porém Marcial, no tempo dos Vespasianos, principalmente de Dominiciano (…) foi o que começou a introduzir ou refinar as agudezas e equívocos nos epigramas, o que agradou então, porque se começava na Corte a perder o bom gosto da Eloquência. (…) A maior parte [dos epigramas de Marcial], porém, são frialdades e parvoíces que os homens de juízo têm desprezado e reconhecem estar muito abaixo da nobreza de Catulo.” Conclui Verney o longo comentário com um conselho: “Chamo felicidade fazer um epigrama que seja bom. Onde, diz com graça o douto P. Rapin, que o epigrama, se não é excelentíssimo, nada vale; e que tão dificultoso é fazer um bom, que se pode contentar quem chega a fazer um em toda a sua vida.” (Verdadeiro Método de Estudar, vol. II, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1950, pp. 266-297).

Hoje o epigrama pode referir-se a um simples dístico, a um terceto ou uma quadra que ou se destaca no corpo de um discurso literário sentencioso ou na sua conclusão. Está também em correlação com a prática do graffiti. Deve distinguir-se do aforismo, porque este pretende expressar verdades morais, defender valores superiores ou dar conselhos eticamente relevantes, sem que haja lugar a comentários satíricos ou depreciativos. Muitos poetas contemporâneos ensaiam ainda epigramas, em moldes tradicionais, com o mesmo objectivo de sempre: conter em curtos versos um ensinamento de vida, como neste exemplo de David Mourão-Ferreira: “Eis o que espanta: ainda nós sabemos / os gestos rituais de despedida! / E, tarde ou cedo, à noite adormecemos, / embora sem a alma adormecida”. (“Epigrama para uma segunda despedida”, in A Secreta Viagem [1948-50], in Obra Poética, Presença, Lisboa, 1988).