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Expressão usada por Horácio na sua Arte Poética (c. 20 a. C.), que significa “como a pintura, é a poesia” e que, apesar de não possuir um significado estrutural, veio a ser interpretada como um princípio de similaridade entre a pintura e poesia. A afinidade entre as duas artes já fora mencionada por Plutarco, o qual atribuiu ao poeta Simónides de Céos o dito segundo o qual “a pintura é poesia calada e a poesia, pintura que fala” (De gloria Atheniensium, 346 F). Na mesma obra (17 F – 18 a), Plutarco esclarece ainda que tal comparação se baseia no facto de pintura e poesia serem, supostamente, imitações da natureza, princípio este que se revelaria fulcral nas reformulações sofridas pela analogia entre ambas as artes ao longo da Antiguidade clássica.

Durante a Idade Média, esta questão foi sobretudo divulgada através dos modelos romanos (Horácio, Cícero, Quintiliano, etc.), tendo conhecido um importante desenvolvimento com a conquista do espaço pictórico iniciada por Giotto, e que tendeu a aproximar mais o indivíduo dos textos bíblicos.

No Renascimento, o símile horaciano, que continuou a conhecer grande divulgação sobretudo entre os humanistas, contribuiu para igualar em excelência ambas as artes, assim como para difundir a importância da componente pictórica na poesia, como o comprova o sucesso alcançado pela chamada poesia descritiva até meados do século XVIII. Leon Battista Alberti, um dos autores mais representativos da discussão que envolvia as duas artes no início do Renascimento, já irá desenvolver a questão não a partir do símile horaciano mas sim adaptando o modelo do orador de Cícero às artes visuais. A excelência do pintor, segundo Alberti, passa assim a estar directamente dependente da sua capacidade de impressionar o indivíduo, tal como o bom orador deve ser capaz de mover os seus ouvintes. Os teóricos maneiristas e neoclássicos deram grande importância a esta questão, dividindo-se as hostes em favor ora da poesia ora em favor da pintura, mas concordando na necessidade de delimitar os processos de imitação a que ambas as artes obedecem. As relações entre poesia e pintura só serão abertamente postas em causa por diversos teóricos na segunda metade do século XVIII, entre os quais se destacam Edmund Burke e o crítico alemão G.E.Lessing. Este último irá apresentar no seu ensaio Laokoon: oder über die Grenzen der Malerei und Poesie (1766) os contra-argumentos desse pricípio de similaridade entre as dus artes, dotando a poesia de um estatuto superior face à pintura, atitude de certa forma paralela àquela dos românticos alemães (Schelling, Hegel, Schleiermacher) para quem a poesia constituia a síntese suprema da arte, pois reunia em si a imaginação criativa das artes plásticas e a emoção que fluía da música.

Almeida Garrett, na fase inicial da sua carreira, também se pronunciou sobre a “sentença” de Horácio e rejeitou a equivalência entre as duas artes, porque, na Antiguidade, a pintura estava “atrasada” em relação à poesia. É que os Gregos não tinham então Homeros em pintura. A argumentação de Garrett já irá privilegiar a pintura, porque é a arte que melhor se adequa à imitação da natureza: “A poesia animada da pintura exprime a natureza toda; a dos versos, porém, menos viva e exacta, falha em muita parte na expressão de suas belezas. Que poeta poderia dar uma ideia de Rómulo como David no seu quadro das Sabinas? “Que versos nos poderiam fazer imaginar a Divindade como a Transfiguração de Rafael? Que poema nos faria conceber a majestade dum Deus criador dando forma ao caos, e ser ao universo, como a pintura de Miguel Ângelo?” (Ensaio sobre a História da Pintura, Obras Completas, vol. 1, Lisboa, 1904, p. 27 a-b).

O princípio de similaridade entre poesia e pintura volta a ser reafirmado com o Realismo e o Parnasiarismo. No caso português, alguns poemas de Cesário Verde são um excelente exemplo desta revalorização da vertente pictórica na poesia, enquanto que a obra d’O Egipto, de Eça de Queirós, o é no campo da prosa.

Com o Modernismo e o advento das chamadas correntes vanguardistas (Surrealismo, Futurismo, Cubismo, etc…), as relações entre ambas as artes estreitam-se ainda mais, renovando as experiências poético-pictóricas de alguns poetas dos períodos maneirista e barroco, como o comprova a tentativa de fusão da expressão literária com a plástica nos caligramas de G – Apollinaire.

O interesse pela fusão poético-pictórica vai conhecer um novo desenvolvimento na segunda metade do século XX, com a chamada poesia concreta, iniciada no Brasil nos anos 50, e a poesia experimental da década de 70, manifestações que comprovam mais uma vez a actualidade e o alcance do símile horaciano.

 

{bibliografia}

A.García Berrio e M.T.Hernández: Ut poesis pictura: Poética del arte visual (1988); C.O.Brink: Horace on Poetry; I: Prolegomena to the Literary Epistles(1963); Ars Poética (1971); Fernando Cristovão: Marília de Dirceu de Tomás António Gonzaga ou a Poesia como Imitação e Pintura(1981); Fernando Guerreiro: “Ut pictura, poesis. Ou a intransitividade de um princípio”, in Afecto às Letras: Homenagem da Literatura Portuguesa Contemporânea a Jacinto do Prado Coelho (1984); Garcez da Silva: A Pintura na Obra de Eça de Queirós (1986); H.Ch.Buch: Ut pictura poesis: Die Beschreibungsliteratur und ihre Kritiker (1972); J.F.D’Alton: Roman Literary Theory and Cristicism (1931; reimp. 1962); Peter le Huray e James Day: Music and Aesthetics in the Eighteenth and Early – Nineteenth Centuries (1981); P. Grimal: Essay sur l’Art Poétique d’Horace (1968); R.W.m.: “Ut pictura poesis: The Humanistic Theory of Painting” (the Art Bulletin, 22, 1940).