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O estudo científico da linguagem. Ciência que se ocupa do estudo da linguagem humana manifestada pelas diferentes línguas. Entende-se por língua, o instrumento de comunicação, duplamente articulado e que é (ou foi) utilizado por uma determinada comunidade para veicular conhecimentos sobre a experiência humana. O conceito de língua como sistema de comunicação constituído por signos, determinado historica e socialmente, é um conceito relativamente novo nos estudos linguísticos.

A palavra linguística aparece pela primeira vez em França (linguistique), em 1826 e em 1837 aprece o vocábulo inglês linguistic, só mais tarde linguistics. Em Portugal, em meados do século XIX, o termo glotologia é mais usado do que linguística para designar a ciência da linguagem.

A terminologia ainda hoje usada nos estudos linguísticos nas línguas europeias e não só, é testemunho de como a reflexão linguística é grandemente devedora dos conhecimentos gramaticais greco-latinos. Na filosofia grega, a especulação sobre a origem das palavras revestiu-se de particular importância. Duas escolas antagónicas dominaram o palco da discussão: os naturalistas que defendiam uma relação intrínseca entre o som e o sentido, entre as palavras e as coisas, e os convencionalistas que pugnavam pela relação arbitrária. No Crátilo, diálogo de Platão, os personagens vestem a pele de partidários destas duas posições. Aristóteles em Periérmeneias e na Poética distingue os elementos do lógos e da lexis. Numa perspectiva lógico-semântica, identifica, na esteira de Platão, ónoma (nome) e rhéma (verbo), que constituem o lógos apophantikós (frase declarativa).

O autor (ou compilador) da que é considerada a primeira gramática, Dionísio de Trácia, diz-nos que esta é “o conhecimento directo do que é dito pelos poetas e prosadores”. Durante séculos, as reflexões linguísticas apenas se ocupam da língua escrita e da chamada norma culta, a língua dos “barões doutos” referida por João de Barros, na sua gramática de 1540. Os gramáticos latinos, de entre os quais destacamos os nomes de Varrão, Quintiliano, Prisciano e Donato, dão continuidade à tradição grega, fazendo aplicar à língua latina as categorias linguísticas já estabelecidas. Continua a descrever-se a língua escrita, a língua da classe culta.

A Idade Média marca definitivamente a ascensão do latim a língua da cultura erudita, a língua da escrita, com aceitação em toda a civilização ocidental. O debate em torno dos modos de significar (modi significandi) representantes da compreensão do real (modi intelligendi e modi essendi) ocupa as discussões dos filósofos medievais, dando origem à denominada gramática especulativa. Porém, a partir do século XIII, uma corrente do pensamento medieval, oferece-nos da lógica e da dialéctica uma definição essencialmente linguística (sermocinalis), como disciplinas que se ocupam da análise do som, da palavra e da proposição, enquanto elementos basilares do discurso (destacam-se Guilherme de Occam, Pedro Hispano, e Lambert de Auxerre, entre outros ).

O Renascimento retoma a gramática empírica, recusando o formalismo abstracto da gramática medieval. É novamente a gramática normativa bebida directamente em Donato, Prisciano e Quintiliano, que atende somente ao cultivo e estudo das autoridades (auctoritas). Paralelamente, as línguas vulgares, ou seja, as línguas faladas nos diversos reinos haviam ganhado estatuto de línguas da cultura e assumem-se como objectos de investigação gramatical. Datam dos séculos XV e XVI as primeiras gramáticas do espanhol, do italiano, do francês e do português (1536, Fernão de Oliveira, 1540, João de Barros). O latim continua, apesar de tudo, a ser o alvo privilegiado da teorização linguística. Com os Descobrimentos, o mundo descobre também inúmeras línguas, cujas primeiras gramáticas se devem em larga medida aos Missionários Jesuítas.

As gramáticas gerais e filosóficas têm o seu exemplo paradigmático na Grammaire générale et raisonnée de Claude Lancelot e Antoine Arnauld, de 1660, conhecida como gramática de Port-Royal. Foi, de facto, antecedida por outras obras defensoras do universalismo gramatical, de entre as quais se sublinha a Minerva : seu de causis linguae latinae, do espanhol Francisco Sanchez de las Brozas (

Sanctius), datada de 1587.

As categorias gramaticais do latim são entendidas como universalmente válidas, e embora a gramática de Port-Royal, ao assumir-se como gramática geral, se proponha dar a conhecer os princípios racionais comuns a todas as línguas e as suas principais diferenças, considerando além do latim, o grego, o francês, o hebraico, o italiano e o espanhol, o que efectivamente faz é uma descrição e aplicação da estrutura teórica deduzida da língua latina.

Em Portugal, no período pós Port- Royal, têm particular importância as intituladas Gramáticas Filosóficas de Bernardo de Lima e Melo Bacelar (1783), de João Crisóstomo do Couto e Melo (1818) e de Jerónimo Soares Barbosa ( 1822 ).

O século XIX é profundamente marcado pelo comparativismo. As línguas são encaradas na sua genealogia e relações com línguas da mesma família, como organismos que crescem, envelhecem e morrem. A dimensão diacrónica e evolutiva ganha especial relevo. Os fenómenos fonéticos são alvo de atenção crescente. As línguas são estudadas particularmente no tempo e no espaço.

Em Portugal, são dignos de nota os estudos de Adolfo Coelho, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Epifânio da Silva Dias, Leite de Vasconcelos e Gonçalves Viana.

O início do século XX é marcado por uma inovação metodológica na linguística, comummente assinalada com a obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure. Os factos linguísticos passam a ser relevantes no seu aspecto funcional, e a linguística preocupa-se em analisá-los em termos sincrónicos de constância e variação. A partir de Saussure, domina a concepção de língua como sistema, em que todos os elementos são solidários (Curso : 194). A necessidade metodológica de distinguir os pontos de vista sincrónico e diacrónico é radicalmente preconizada por Saussure, a par da distinção Língua / Fala.

A descrição e explicação dos factos linguísticos baseada numa perspectiva funcional, iniciada por Saussure, tem continuidade em Henri Frei e posteriormente em Martinet, com o chamado funcionalismo linguístico, herdeiro de Baudouin de Courtenay e do Círculo Linguístico de Praga (Trubetzkoy, Jakobson, Karcevsky). Entre as diversas teorias da linguística do nosso século, a glossemática, desenvolvida e concebida por Hjelmslev, merece, em nosso entender, um lugar importante.

Nos Estados Unidos, o início de século é caracterizado por investigações linguísticas etno-antropológicas (Boas, Sapir, Whorf) e pelo distribucionalismo (Bloomfield). A partir dos anos sessenta, Noam Chomsky e a sua equipa de colaboradores, em estreita relação com o progresso no campo tecnológico, tem procurado elaborar uma teoria formal da linguagem, a chamada linguística transformacional e gerativa. Esta teoria deve, segundo Chomsky, ter a capacidade de explicar e descrever as capacidades linguísticas que permitem ao ser humano produzir e descodificar novos enunciados linguísticos. Estamos perante uma teoria linguística intrinsecamente ligada aos processos cognitivos.

Poderemos concluir dizendo que a linguística está hoje perante uma enorme encruzilhada, em que díspares teorias, não se reconhecendo mutuamente, avançam com metodologias e paradigmas próprios no estudo das línguas. Em traços largos, será porventura legítimo identificar dois grandes paradigmas teóricos, o estruturalismo e o gerativismo. Atendendo, contudo, à heterogeneidade da linguística como ciência, seria porventura mais legítimo falarmos em linguísticas.

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