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Inveterado inventor de neologismos, Roland Barthes, enuncia, em Sade, Fourier, Loiola, livro de 1971:“(…) Se fosse escritor, e morto, como gostaria que a minha vida se reduzisse, pelos cuidados de um amigável e desenvolto biógrafo, a alguns pormenores, a alguns gostos, a algumas inflexões, digamos: ‘biografemas’, em que a distinção e a mobilidade poderiam deambular fora de qualquer destino e virem contagiar, como átomos voluptuosos, algum corpo futuro, destinado à mesma dispersão!; em suma, uma vida com espaços vazios, como Proust soube escrever a sua, ou então um filme, à moda antiga, onde não há palavras e em que o fluxo da imagens (esse flumen orationis, em que talvez consista a ‘porcaria’ da escrita) é entrecortado, como salutares soluços, pelo rápido escrito negro do intertítulo, a irrupção desenvolta de um outro significante (…)”.Grafado entre aspas, o neologismo “biografema” passou a fazer parte da teoria literária, inserindo-se na crítica como aquele significante que, tomando um fato da vida civil do biografado, corpus da pesquisa ou do texto literário, transforma-o em signo, fecundo em significações, e reconstitui o gênero autobiográfico através de um conceito construtor da imagem fragmentária do sujeito, impossível de ser capturado pelo estereótipo de uma totalidade. Mais tarde, em 1980, o semiólogo francês define, em A câmara clara, seu novo neologismo; “(…) Gosto de certos traços biográficos que, na vida de um escritor, me encantam tanto quanto certas fotografias; chamei esses traços de ‘biografemas’; a Fotografia tem com a História a mesma relação que o biografema com a biografia” (p. 51). O biografema será, pois, um fragmento que ilumina detalhes, prenhes de um “infra-saber”, carregado de, barthesianamente falando, certo fetichismo, que vem a imprimir novas significações no texto, seja ele narrativo, crítico, ensaístico, biográfico, autobiográfico, no texto, enfim, que é a vida, onde se criam e se recriam, o tempo todo, “pontes metafóricas entre realidade e ficção”.

{bibliografia}

Roland Barthes, Sade, Fourier, Loyola, 14-15 (1979); Roland Barthes, A câmara clara, 51 (1984). Eneida Maria de Souza: “Notas sobre a crítica biográfica”, Expressões, p. 9-16 (2000).