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Se Freud considerou que a literatura era a melhor formação do analista, foi também com certeza porque a questão que lhe foi posta pelas primeiras histéricas que o procuraram, aquelas que lhe deram a chave do inconsciente e que o iniciaram na prática do que viria a chamar-se psicanálise: o que é e o que quer uma mulher? (ou, o que é a diferença sexual?) é também, sem dúvida, uma das questões que faz correr os escritores.

“O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta”, dirá Lacan. Diferença absoluta entendida como diferença sexual. Absoluta porque não instaura nenhuma relação entre os sexos. Nessa busca, a psicanálise dá uma resposta feliz na sua formulação, mas não menos intrigante e equívoca: “o homem não é sem o ter”; “a mulher é sem o ter” (Lacan).

Na sua investigação do inconsciente, o psicanalista não encontra nenhuma representação da diferença sexual. Ao contrário, aquilo que poderia distinguir os homens das mulheres, a líbido, é, segundo Freud, uma só e é masculina. O gozo que dela provém, o gozo fálico, gozo do corpo e da fala, é masculino e pertence igualmente aos homens e às mulheres.

De facto o ser humano não encontra a sua realização no acto sexual, mas na procura da relação sexual “que é impossível”. Impossível por isso de escrever e causa de que o escritor escreva sem cessar.

Essa relação é impossível porque o que define o ser humano é o ser-lhe trocada a relação sexual pela fala, como fundamento do gozo fálico. Esse gozo é desenvolvido pelo mundo de linguagem para o qual nascemos todos para além da nossa biologia. Deste ponto de vista, não há no ser humano diferença sexual. Ambos encontram pela frente, como fonte de estruturação, a Lei: lei do desejo, lei da castração simbólica que esse desejo designa, lei da fala e da linguagem que vem ocupar de forma indizível o espaço que o significante cria ao sublimar a biologia, substituindo-a por uma relação sempre assimptótica ao Outro, ao objecto perdido.

É essa lei da fala e da linguagem que vem introduzir a diferença sexual, para além do biológico, para além do falo. Um homem e uma mulher quando se ligam, não são dois corpos. São dois sujeitos/objectos definidos por um significante. Se “um significante é o que representa um sujeito para um outro significante” (Lacan), homem é o que representa um sujeito para o significante mulher. “O homem, uma mulher, são apenas significantes”, diz Lacan. É essa função de representação do significante que introduz no acto sexual um terceiro termo, o objecto e a assimetria dos lugares. É por causa do objecto que a relação sexual só pode falhar. Não há assim relação sexual, quer dizer que não há relação com o outro sexuado, só há relação com o (eu) falo, com a linguagem em que habitamos. O homem pode desejar a mulher de todas as formas, o que ele aborda quando a aborda, é a causa do seu desejo, o objecto. É esse o acto de amor. O que acorre a essa falta de relação sexual é o amor.

A diferença sexual está em que se o homem está todo na função fálica, uma mulher não está toda nela e tem assim, em relação ao gozo da função fálica, um gozo suplementar. Um gozo do corpo para além do falo. Se é para além do falo, para além da fala, é para além da castração. Uma mulher é não-toda castrada.

Cada qual pode situar-se do lado homem ou do lado mulher.

bibliografia

Elizabeth Grosz: “Sexual Difference and the Problem of Essentialism”, in Naomi Schor e Elizabeth Weed (eds.): The Essential Difference (1994); Jacques Lacan, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise, (Seminário XI, Rio de Janeiro, 1964); id.:  Mais, ainda, (Seminário XX, Rio de Janeiro, 1972-73); Joy Simpson Zinn: “The Différance of l’écriture feminine”, Chimeres: A Journal of French and Italian Literature, 18, 1, (Lawrence, KS, 1985); S. Sellers: Language and Sexual Difference (1991).