Select Page
A B C D É F G H Í J K L M N O P Q R S T Ü V W Z

Crítica centrada no homem ou com forte incidência nos aspectos masculinos. Trata-se de um termo de aplicação recente, opondo-se ao conceito de ginocrítica, que tem já uma tradição mais sólida. O termo não é da responsabilidade de teóricos masculinos, mas provém da crítica feminista, que o utiliza para descrever certo tipo de crítica que apenas prevê ou depende do ponto de vista do homem, ignorando a perspectiva da mulher, a sua experiência cultural ou mesmo a sua identidade. Nina Baym lembra que o conhecimento que temos da literatura é muitas vezes determinado não pela leitura directa das obras mas pela crítica masculina que delas se faz. E comenta assim este preconceito na tradição literária americana: “The critic does not like the idea of women as writers, does not believe that women can be writers, and hence does not see them even when they are right before his eyes.” (“Melodramas of Beset Manhood: How Theories of American Fiction Exclude Women Authors”, in The New Feminist Criticism, ed. por Elaine Showalter, Virago Press, Londres, 1985, p.64). Este retrato do androcrítico resume praticamente todas as perspectivas feministas da crítica literária feita por homens, que tem dominado a história da cuiltura ocidental. O conceito de androcrítica surge, portanto, como termo de oposição mas também de afirmação do conceito de ginocrítica, que tende a referir-se-lhe apenas para mostrar a urgência do caminho oposto. Se quisermos atender unicamente ao facto de a noção de ginocrítica poder ser limitada ao estudo da escrita feminina, ou seja, da escrita feita no feminino, como quer Elaine Showalter (“Towards a Feminist Poetics”, in Mary Jacobs (ed.): Women Wrinting and Writing About Women, 1979), então, paralelamente, a androcrítica aplicar-se-ia ao estudo da escrita masculina (ou escrita feita no masculino). Sem este objectivo, a androcrítica pode efectivamente ficar sujeita a uma leitura parcial da literatura e qualquer crítico masculino que apresente um estudo literário datado sem se referir pelo menos em parte a obras de mulheres, ficará sujeito a sentenças de discriminação. É isso que acontece, por exemplo, com o crítico Leslie Fiedler, cuja obra Love and Death in the American Novel (1960) é classificada por Nina Baym, no supracitado ensaio, como um exemplo (negativo) do que significa a androcrítica, pois Fiedler assumiu sempre que todos os leitores são homens e que o romance é um acto de comunicação exclusivo entre os homens. Fica por demonstrar que a postura de todos os androcríticos seja a do clássico he-man, isto é, aquele indivíduo que acredita que é possível conquistar todas as mulheres com a força sexual (ou com qualquer outra forma de poder).

Na história da crítica, o conceito feminista de androcrítica pode-se encontrar já no princípio do século XX, na obra de Charlotte Perkins Gilman: The Man-made World: Our Androcentric Culture (1911), que se serve da denúncia do androcentrismo social e moral para falar da condição da mulher. Contudo, o conceito não se generalizará até à década de 70, quando começam a surgir os primeiros trabalhos regulares e sistemáticos de crítica feminista. Já então, surge, dentro desta temática de denúncia do androcentrismo, o livro de Rita M. Gross: Beyond Androcentrism: New Essays on Women and Religion (1977). Por esta via, a androcrítica e o androcentrismo são variantes de um carácter misógino que acompanha a história das civilizações ocidentais. O mesmo acontece com a cumplicidade da androcrítica com o conceito de patriarcado.

Fica claro que o termo terá novos desenvolvimentos à medida que surgirem estudos específicos sobre o homem que possam libertar o conceito de androcrítica do pré-conceito da mera dominância da crítica masculina sobre a feminina. Assim acontece na área de estudos sobre o homem (man studies) que se têm multiplicado sobretudo no mundo anglófono. Um dos primeiros exemplos na história da crítica literária contemporãnea é o estudo de Leo Lowenthal: Literature and the Image of man: Sociological Studies of the European Drama and Novel (1957). Esta possibilidade da androcrítica é aquela que faz melhor justiça ao conceito, concentrando o seu objectivo apenas no estudo da masculinidade e das suas realizações antropológicas, culturais, psicológicas e sexuais na literatura feita por e sobre homens. Ocupar-se-á ainda de temas específicos relacionados com o homem enquanto escritor: a sua criatividade, o seu lugar na história, os géneros privilegiados, etc. A procura de um Ideal de homem não fica, obviamente, de fora. Estes tópicos são, naturalmente, também possíveis de se individualizarem no âmbito da ginocrítica.

 

Bibliografia:

 

Amy L. Klumas e Thomas Marchant: “Images of Men in Popular Sitcoms”, Journal of Men’s Studies: A Scholarly Journal about Men and Masculinities, 2,3 (1994); Anne Laskaya: Chaucer’s Approach to Gender in the Cantebury Tales (1995); Daniel Boyarin: “Reading Androcentrism against the Grain: Women, Sex, and Torah Study”, Poetics Today, 12,1 (1991); Daphne Patai: “Gamesmanship and Androcentrism in Orwell’s 1984 ”, PMLA: Publications of the Modern Language Association of America, 97, 5 (1982); David Rosen: The Changing Fictions of Masculinity (1993); E. Anthony Rotundo: American Manhood: Transformations in Masculinity from the Revolution of the Modern Era (1993); Francis Granger Babcock: “Rewriting the Masculine: The National Subject in Modern American Drama”, Tese de Doutoramento (Louisiana State University, 1993); George L. Mosse: The Image of Man: The Creation of Modern Masculinity (1996); Henk G. Hillenaar: “Récit au masculin, récit au feminin”, in Henk G. Hillenaar e Evert van der Starre (eds.): Le Roman, le récit et le savoir (1986); Jack Stuart: “ ‘Patriarchy’ Reconsidered”, Journal of Men’s Studies: A Scholarly Journal about Men and Masculinities, 2, 4 (1994); James Eli Adams: Dandies and Desert Saints: Styles of Victorian Masculinity (1995); Janet Sayers: The Man Who Never Was: Freudian Tales of Women and Their Men (1995); Judith Halberstam: “The Making of Female Masculinity”, in Laura Doan (ed.): The Lesbian Postmodern (1994); Judith Roof: Come As You Are: Sexuality and Narrative (1996); Karl Everett Merlin Molstad: “Images of Masculinity: A Study of Male Identity in Nineteenth Century British Novels”, Tese de Doutoramento (University of Minnesota, 1991); Maurice Berger e Brian Wallis Simon Watson (eds.): Constructing Masculinity (1996); Pat Kirkham e Janet Thumim (eds.): You Tarzan: Masculinity, Movies and Men (1993); Peter F. Murphy (ed.): Fictions of Masculinity: Crossing Cultures, Crossing Sexualities (1994); Peter Middleton: “Wittgenstein and the Question of Masculinity”, The Oxford Literary Review, 8, 1 (1986); Raymond Samuel Zimmerman: “Masculinity and Violence in 20th Century American Literature”, Tese de Doutoramento (Universidade da Califórnia, Irvine, 1994); Robert Nowatzki: “Race, Rape, Lynching, and Manhood Suffrage: Constructions of White and Black Masculinity in Turn of the Century White Supremacist Literature”, Journal of Men’s Studies: A Scholarly Journal about Men and Masculinities, 3,2  (1994); Robert Vorlicky: Act Like a Man: Challenging Masculinities in American Drama (1995); Robert W. Richgels: “Masculinity and Tears in 19th Century Thinking: A Comparison of Novels in France and Britain”,  Studies in the Humanities, 21, 2 (Indiana, PA, 1994); Roger Huss: “Flaubert and Realism: Paternity, Authority, and Sexual Difference”, in Margaret Cohen e Christopher Prendergast (eds.). Spectacles of Realism: Body, Gender, Genre (1995); Susan Jeffords: “Can Masculinity Be Terminated?”, in Steven Cohan e Ina Rae Hark (eds.): Screening the Male: Exploring Masculinities in Hollywood Cinema (1993); Thomas B. Byers: “Terminating the Postmodern: Masculinity and Pomophobia”, Modern Fiction Studies, 41, 1 (1995) e “History Re-Membered: Forrest Gump, Postfeminist Masculinity, and the Burial of the Counterculture”, Modern Fiction Studies, 42, 2 (1996).