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Tradução literal da expressão francesa écriture féminine que designa a produção literária essencial e caracteristicamente feminina. A escrita feminina surge como «uma resposta consciente às realidades socio-culturais». (Jones: 1981:330). Com raízes no século XIX e ao longo do século XX, iniciou-se a quebra com a tradição patriarcal de uma entidade única masculina. Partiu-se do reconhecimento da existência diferenciada de um eu feminino perante um eu masculino. Ina Schabert afirma que o esquema conceptual de que o homem correspondia ao sujeito e a mulher ao objecto da escrita mutilou a actividade literária das autoras, tornou masculina a história da literatura, discriminando a escrita das mulheres (Schabert:1995:164). A ideia de uma escrita feminina levanta determinadas questões sobre o próprio conceito de feminino. Partindo do pressuposto de que há uma escrita feminina e uma escrita masculina distintas, quais os traços de cada uma? Vários investigadores e teóricos, maioritariamente mulheres, têm vindo a debruçar-se sobre estas questões, na tentativa de encontrar um denominador comum para a escrita feminina, tanto a nível temático como a nível formal. Isabel Allegro de Magalhães (Magalhães:1996) afirma que as características masculinas de um texto são reflexo da vivência e postura masculinas no mundo e, portanto, são dominantes e de fácil identificação. O problema levanta-se relativamente à escrita feminina, silenciada durante séculos. No entanto, consegue extrair dos trabalhos literários de mulheres temas e formas de uma escrita no feminino. Por outro lado, Allegro de Magalhães serve-se de Simone de Beauvoir (Mémoires d’une fille rangée) como prova da possibilidade da existência de um discurso caracterizado pelo masculino, embora de autoria feminina, e apresenta a escrita no feminino de Virginia Woolf como termo de comparação. De Beauvoir desenvolve uma escrita repleta de factos e datas, enquanto que a de Woolf se caracteriza pela fragmentação, por uma escrita em harmonia com a vida (Dedalus, 1996, 6: 147-150). Nelly Novaes Coelho rejeita as «diferenciações estilísticas ou estruturais do discurso feminino […] uma vez que são próprias de um estilo contemporâneo» independentemente do sexo do autor (Coelho:1993:15). Pelo contrário, Maria José Trigoso identifica nos variados registos e construções linguísticos traços sexuados. (Trigoso: 1996: 97-106). De forma espirituosa, Anne Eisenberg escreveu que «o discurso da ciência está encharcado em testosterona» (apud Vicente: 1998: 131). Luce Irigaray não põe a hipótese de uma escrita feminina «alternativa» ao monopólio masculino; a escrita feminina é uma construção «subversiva» que se desenvolve no seio do discurso patriarcal e que, progressivamente, o modifica, «deixando em aberto a possibilidade de uma linguagem diferente» (Irigaray:1977). Hélène Cixous aceita a existência de écriture féminine como contraponto a uma escrita representativa do discurso centrado no homem. Segundo Cixous, a escrita feminina surge de um reencontro da mulher com o seu corpo. Uma vez recuperada a sua sexualidade e libertando-se do discurso centrado no falo, a mulher alcança a sua identidade e a produção literária feminina torna-se inesgotável. A relação com o materno desempenha um papel fundamental nesta descoberta pessoal da escrita no feminino, que é possível para os dois sexos (Cixous:1975:347-362). Homem ou mulher, quem escreve não condiciona a sua escrita unicamente pelo facto de pertencer a este ou àquele sexo, mas é certo que é de mulheres a autoria da maior parte dos textos com marcas de feminino.

{bibliografia}

Ana Vicente: Os Poderes das Mulheres, Os Poderes dos Homens (1998); Ann Rosalind Jones: «Writing the Body: Toward an Understanding of L’Écriture Féminine’ Feminist Studies (1981)», in Feminist Literary Theory, (2ª ed., 1997); Cora Kaplan: «Speaking/Writing/Feminism (1983), in Feminist Literary Theory, (2ª ed., 1997); Hélène Cixous: “The Laugh of the Medusa” (1975) in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism (revised edition, 1997); Ina Schabert: «Gender als Kategorie einer neuen Literaturgeschichtsschreibung», in Genus zur Geschlechterdifferenze in den Kulturwissenchaften (1995); Isabel Allegro de Magalhães: «Mesa Redonda», in Dedalus 6 (1996); idem: O Sexo dos Textos (1993); Joyce Carol Oates: «”Is There a Female Voice? (1980)», in Feminist Literary Theory, (2ª ed., 1997); Luce Irigaray: «This Sex Which Is Not One (1977)», in Feminisms: An Anthology of Literary Theory and Criticism, (1997); Maria José Trigoso: «”Mulher” e as suas Variações Semânticas na Escrita Chinesa», in Dedalus 6 (1996); Nelly Novaes Coelho: A Literatura Feminina no Brasil Contemporâneo (1993); Mary Eagleton (ed.): Feminist Literary Theory – a reader (1997).