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Movimento poético fundado pelo chileno Vicente Huidobro (ou pelo francês Pierre Reverdy, segundo reclama este poeta contemporâneo de Picasso, Braque, Max Jacob e Apollinaire) e cuja doutrina se funda na defesa da autonomia da arte em relação à realidade exterior, permitindo que a invenção e a imaginação poética prevaleçam sobre a imitação dessa realidade. Este movimento está já consagrado publicamente num artigo do paraguaio Federico García (1892-1923), aparecido no jornal El Liberal de Asunción (10-12-1920) com o título: “Alba poética. El creacionismo”. García morara na Europa, 1914, onde contactou as escolas literárias em voga. Nesse artigo, cita-se Apollinaire e poemas de Pierre Reverdy e de Vicente Huidobro, que apresenta como expoentes do creacionismo. Reverdy havia fundado em Paris a revista que representa o movimento, Nord-Sud (1916-1918), quando Huidobro chega a França e tem conhecimento das novas tendências.

“El creacionismo no es una escuela que yo haya querido imponer a alguien, el creacionismo es una teoría estética general que empecé a elaborar hacia 1912, y cuyos tanteos y primeros pasos los hallaréis en mis libros y artículos mucho antes de mi primer viaje a París [1916].” – Assim apresenta e baliza Vicente Huidobro (1883-1948), em poucas palavras, no ano de 1922, a corrente e teoria estética que constituiu, na década anterior, o primeiro manifesto modernista do mundo hispano-americano.

Em rigor, o movimento, ainda que pioneiro, deve ser incluído no seio dos vários ismos que na altura surgiram – o Imagismo e Vorticismo anglo-saxónicos, e nas artes plásticas, o Suprematismo russo, só para citar três exemplos coevos. Estes movimentos-manifesto têm como objectivo a mesma criação de um paradigma diferente, face a um anterior, e no caso do Criacionismo essa oposição é veementemente marcada contra o que muitos chamaram de “Rubendarísmo” (devido a Ruben Darío, então considerado um grande inovador e, mais tarde, o pai do Modernismo Hispano-Americano), herdeiro das intricações lexicais e sonoras de um simbolismo francês e que caracterizou em grande parte o “Modernismo” do período finissecular. Dele são exemplos não só o poeta nicaraguense como o argentino Leopoldo Lugones.

Deve-se distinguir criacionismo de criacionismo bíblico, ainda que partilhem um mesmo princípio criador orgânico, não servir a natureza, mas inventar com ela a criação pura: “Criar um poema como a natureza cria uma árvore”, como diz Huidobro, o que implicaria um afastamento da realidade, incluindo a realidade pessoal do autor. É por esta razão que muitos dos seus detractores a consideram apenas uma “bonita utopia”, crítica que lemos veiculada pelo próprio Huidobro num outro texto seminal, onde fala das reacções às suas conferências por parte dos críticos. Em In Nom Serviam (1914), outro texto seminal, o mesmo Huidobro elabora melhor esta teoria:

[…] Hemos cantado a la Naturaleza (cosa que a ella bien poco le importa). Nunca hemos creado realidades propias, como ella lo hace o lo hizo en tiempos pasados, cuando era joven y llena de impulsos creadores. Hemos aceptado, sin mayor reflexión, el hecho de que no puede haber otras realidades que las que nos rodean, y no hemos pensado que nosotros también podemos crear realidades en un mundo nuestro, en un mundo que espera su fauna y su flora propias. Flora y fauna que sólo el poeta puede crear, por ese don especial quele dio la misma madre Naturaleza a él y únicamente a él […]

O movimento teve uma enorme aceitação e influência por todo o mundo hispânico, sobretudo quando Huidobro finalmente saiu da América Latina e entrou no velho continente através de Espanha (1916-18), onde deu algumas palestras importantes onde disseminou estas ideias. Em Madrid, por exemplo, Gerardo Diego e Juan Larrea, membros do que se convencionou chamar a Geração de 27, ouvem-no em algumas conferências e fundam o Ultraísmo (que se distingue deste, bem como da maior parte dos movimentos de vanguarda, como refere Sáez Delgado, “pelo seu [Criacionismo] carácter construtivista, tomado do cubismo pictórico, com o qual manteve notáveis afinidades, alimentadas pela amizade de Huidobro com Juan Gris ou Jacques Lipchitz”.

creacionismo apresenta-se como uma teoria estética que “En vez de cantar la rosa – diz Huidobro na sua Arte Poética -, hazla florecer en el poema”, que desafia todas as convenções poéticas preestabelecidas. No artigo “El creacionismo”, in Manifiestos (1925), esclarece os contornos do movimento: “El creacionismo no es una escuela que yo haya querido imponer a alguien, el creacionismo es una teoría estética general que empecé a elaborar hacia 1912, y cuyos tanteos y primeros pasos los hallaréis en mis libros [por exemplo, Ecos del alma, 1911, Canciones en la noche, 1913, ou El espejo de agua, 1916, que inclui a famosa “Arte poética”] y artículos escritos mucho antes de mi primer viaje a París (…). Os diré lo que entiendo por poema creador: Es un poema en el que cada parte constitutiva y el conjunto presentan un hecho nuevo, independiente del mundo externo, desligado de toda outra realidad que él mismo, pues toma lugar en el mundo como un fenómeno singular aparte y diferente de los otros fenómenos.” Contudo, sendo uma forma de superação do modernismo, recolhe poesia que está voluntariamente ligada aos modelos do classicismo, por exemplo, no culto do soneto, das décimas e dos romances. A Fábula de Equis y Zeda, do chileno Gerardo Diego, poeta maior da Geração de 27, que havia adoptado as ideias de Huidobro, é um bom exemplo desta ambivalência da poesia creacionista. Diego ajudará a estabelecer os pressupostos teóricos do creacionismo, reafirmando a necessidade de criar uma nova poesia, com uma linguagem que se descubra para além das convenções gramaticais, com uma matéria poética que não seja mera imitação das coisas que constituem o mundo que nos rodeia. Recorrendo à imaginação pura e criadora do poeta, o mundo novo que se procura inaugurar não será nunca uma reprodução da natureza. Esta é a mensagem criacionista dos seguintes versos de Huidobro, da célebre “Arte Poética”:

Cuanto miren los ojos creado sea,

Y el alma del oyente quede temblando.

Inventa mundos nuevos y cuida tu palabra;

El adjetivo, cuando no da vida, mata

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El vigor verdadero

Reside en la cabeza

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El Poeta es un pequeño Dios.

 

bibliografia

AAVV, 100 Artists’ Manifestos – From the Futurists to the Stuckists (selected by Alex Danchev) (London, 2009); AAVV, Escriturasen Libertad – Poesía Experimental Española e HispanoAmericana en el siglo XX – catálogo da exposição no Instituto Cervantes de Madrid (2009); Antonio Saez Delgado: “Creacionismo”, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português (Lisboa, 2008), p. 191; C. Goic: La poesía de Vicente Huidobro (1974); D. Barny: Huidobro o la vocación poética (1963); Mercedes Serna Arnaiz et al: Antologíca Crítica de poesía modernista  hispanoamericana (Madrid, 2008); Vicente Huidobro: Mágica, Selecção e Tradução de Ricardo Marques (Lisboa, 2011); Idem: “Non Serviam e A criação pura”, in Joge Schwrtz (org.): Vanguardas Latino-americanas, polêmicas, manifestos e textos críticos (São Paulo, 1995); Willard Bohn: The Aesthetics of Visual Poetry – 1914-1928 (Chicago, 1986).