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Aquilo de que um texto trata. Num discurso oral, o assunto é sempre aquilo de que se fala. Na arte de bem escrever, está já recomendado por Aristóteles, na Retórica (1408a 1), que a correcção da linguagem de um texto passa pela sua adequação ao assunto de que esse texto trata. Esta adequação é fundamental no desenvolvimento do assunto de um texto, qualquer que seja a sua natureza. Seguindo ainda o preceito de Aristóteles, isso consegue-se se não falarmos levianamente de assuntos elevados nem de forma solene sobre assuntos triviais.

A compreensão de um texto passa por um primeiro teste que consiste em responder correctamente à questão: O que é que o texto diz? Não devemos confundir tema com assunto. O primeiro é a ideia fundamental que o texto quer provar ou desenvolver; o segundo, é a matéria ou objecto de que trata o texto. O assunto obtém-se por intermédio do resumo, que contém todos os elementos relevantes do texto. Para o comentário, interessa mais a definição do tema do que o resumo do texto. A extensão narrativa do assunto é sempre maior do que a do tema, que, pela sua extrema brevidade, se aproxima do título (mas não se confundindo obrigatoriamente com ele). Assim, podemos dizer que o amor pode ser o tema de uma dada obra, mas, se quisermos apontar o seu assunto, devemos ampliar esse conceito e dizer de que amor se trata, entre quem, em que espaço e em que momento, etc. Para este exemplo, podia aceitar-se como definição do assunto de tal texto um enunciado do tipo: “O amor proibido entre A e B contra os preconceitos de uma sociedade perdida no tempo.”. Embora em muitos casos seja possível inferir o assunto de uma obra de arte pelo título que eventualmente ostenta, não está garantido que esta regra seja universal, porque um autor pode perfeitamente jogar com um título evasivo em relação ao objecto da sua obra. Um título genérico (Poemas, Poesias, Contos, etc.) também não ajuda a definição do assunto.

A definição do tema e do assunto de um texto, embora muitas vezes confundidos por causa da possibilidade de convergência de sentido, obedecem a posições diferentes: o tema determina-se a partir de uma série de ilacções gerais sobre o texto, obrigando o leitor a prestar atenção a todas as recorrências para delas poder extrair a substância essencial do texto; o assunto obtém-se pelo levantamento e encadeamento lógico das principais teses ou ideias de um texto, reduzidas a um enunciado mínimo. Por esta razão, não se confunde com argumento, enredo ou intriga, que exigem um esforço narrativo muito maior.

A iterabilidade dos factos narrados não pode funcionar como factor de distinção entre assunto e tema, ou seja, não é correcto afirmar que o tema pode ser um tópico recorrente em várias obras e que o assunto diz respeito apenas a uma obra em particular. O inverso também não é correcto. É possível identificar um dado conjunto de textos que tenham partido do mesmo tema (quantos poetas glosaram já o tema da mudança, por exemplo?), assim como é igualmente possível identificar um mesmo assunto em várias obras (a história de Inês de Castro já conheceu quantas versões?).

Se é possível num dado texto definir o tema também deverá ser igualmente possível definir o seu assunto. Carece de fundamento o pressuposto de que um texto lírico, por exemplo, não tem assunto porque não trata de acontecimentos e não exige a presença de figuras (esta é a tese de Wolfgang Keyser, Análise e Interpretação da Obra Literária, 7ªed., Arménio Amado Ed., Coimbra, 1985, p.52). Seja o conhecido soneto de Luís de Camões Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. O tema do soneto é o topos renascentista da mudança; o assunto pode ser determinado pela oposição entre o tempo da natureza e o tempo humano e pelo pessimismo que resulta da consciência que o sujeito adquire sobre a sua condição existencial limitada. O acto de ler um texto literário é independente da tipologia definida para esse texto. A par da definição do tema, a definição do assunto é o primeiro acto de leitura de um texto, pelo que é redutor colocar um qualquer modo literário como isento de assunto. Esta condição seria equivalente a dizer que um texto lírico não diz nada, quando se define o assunto por aquilo de que fala o texto. O mito do texto insignificante está hoje definitivamente enterrado. Todo o texto fala de alguma coisa, todo o texto significa. É a esse falar-de que chamamos assunto.