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Um dos paradigmas do pós-modernismo, os simulacra são as estratégias de simulação, as construções de modelos de dissimulação, as representações do real que são dadas como aparências premeditadas. Os simulacra desfazem a ilusão da diferença entre o que parece ser e aquilo que é.

Quando o homem descobre que pode ironizar sobre a sua própria condição humana, então podemos falar de uma nova ordem. Assim é quando a certeza cede lugar ao simulacro da certeza e quando todo este processo se revela textualmente. A esta nova ordem também se tem chamado pós-modernismo. O que o caracteriza de forma angustiante é, contudo, a falta de um grande código que seja o resultado de um complexo trabalho individual de reflexão, como o foram para os seus tempos históricos a Crítica da Razão Pura de Kant, a Fenomenologia do Espírito de Hegel ou Ser e Tempo de Heidegger. A era do simulacro da certeza caracteriza-se pelo ausência de um grande código reflexivo deste tipo. No quadro da ficção pós-moderna, podemos encontrar vários exemplos de como os escritores de hoje trabalham as estratégias dos simulacra. Seja o romance de Alexandre Pinheiro Torres Sou Toda Sua, Meu Guapo Cavaleiro (Caminho, Lisboa, 1994). Existem dois mundos em equação no romance de Pinheiro Torres: o mundo da verdade e o mundo da mentira. Nenhum é verdadeiro. Quero dizer: ninguém assume as verdades que conhece no primeiro mundo; ninguém reconhece que mente no outro mundo. Portanto, tudo é simulação. Como observa a sobrinha de Nhôra: "Mas não se diz que aqui em Irago anda toda a gente a enganar toda a gente?" (p.48). Ou então, nas palavras de Cátia: "O pior é que todos escondem a sua vida o melhor que podem." (p.104), que mais tarde voltará à carga com esta revelação: "Não há em Irago ninguém que não tenha perdido o juízo. E toda a gente mente." (p.157). Até que põe o dedo na ferida que nunca sarará em todo o romance: "Sempre fez parte de nós, gente das casas falecidamente nobres, fingir que somos quem já não somos, e, sobretudo, contar como tendo feito aquilo que nunca fizemos. Aliás, doença bem portuguesa. A nossa verdade é só as aparências e a nossa lei…" (p.160). A estes dois mundos correspondem os submundos do ouvir (ou saber) e do ver: todos ouvem (ou sabem) e ninguém vê nada. "Tudo o que se sabe em Irago é a sabedoria do bate-bocas." (p.234), garante a sábia Gracinda. E assim se vive em Irago. Nada melhor do que compor esta história de simulacros com uma metáfora que servirá para denunciar a teatralidade de Irago ("em Irago tudo é fingido, é tudo teatro", p.260): a metáfora do traseiro.

A arte pós-modernista que está dependente do culto do pastiche e da paródia está pouco preocupada com questões de originalidade. A representação do real é levada ao ponto de nos deixar suspensos sobre os limites do que aceitamos como real, ou então, deixa-nos confundidos sobre as crenças que investimos na apreciação da obra de arte. Um caso radical é o da simulação da autoria, que pode destruir os pré-conceitos que regulam a actividade crítica sobre um dado autor conhecido. Abundam os exemplos de construção de uma obra de arte feita à custa (controlada e criativa de alguma forma) de obras anteriores. Um dos mais citados é o norte-americano Robert Rauschenberg, cuja obra integra pinturas com colagens fotográficas de obras de Velásquez e Rubens. Não se trata de procura de um estilo original mas de simples autoria simulada. Não se trata de um pastiche ou imitação estilística de Velázquez ou Rubens, mas de apropriação premeditada que põe em causa os próprios limites da necessidade de ser original. Quer dizer, a apropriação de uma obra de arte alheia funciona, para além do plágio artístico assumido, como uma forma dissimulada de crítica dos valores ditados institucionalmente para a arte.

Os simulacra transformaram-se em técnica cinematográfica de eleição, coexistindo dialecticamente com a técnica do realismo elevado à condição de documentário do quotidiano. Entre o processo de filmagem de multidões humanas reais do filme Cleópatra e o processo de duplicação por clonagem de ser humanos no filme Braveheart nos cenários de guerra para produzir o mesmo efeito de multidão, regista-se uma evolução científica espantosa que ameaça transportar-se da lei do cinema para a lei da vida. Discute-se já no princípio do ano de 1997 a possibilidade de a experiência bem sucedida de clonagem de ovelhas poder ser realizada em seres humanos. A cópia genética absoluta não é mais ficção cinematográfica e ameaça tornar-se um paradigma bioético. A clonagem humana fora dos écras de cinema anula qualquer teoria estética sobre os simulacra.

A lógica dos simulacra domina filmes como Missão: Impossível, que pertence a uma bem sucedida tradição pós-moderna de séries de espionagem na televisão e no cinema. Essa lógica já está presente na série televisiva original dos anos 60, criada pelo produtor Bruce Geller. Aí, como em A Rosa Púrpura do Cairo ou em O Último Grande Herói, o cinema serve para questionar o real ou a forma como normalmente apreendemos o real. O mais importante é questionar o lugar do sujeito-espectador, que não mais está seguro na cadeira onde tudo observa. Porque ficamos a saber e nos tornamos testemunhas de que não há mais fronteiras entre o mundo ficcional e o supraficcional, fica aberto o caminho à construção do sonho do espectador-testemunha ocular como potencial personagem demiúrgica. O controlo da anulação das fronteiras entre esses dois mundos, não mais em confronto mas em comunicação permanente, está, pois, assegurada pela capacidade de o espectador-testemunha-ocular poder legitimar essa aventura.

Os simulacra necessitam da máscara para construir a paródia. O cinema de Tim Burton pode ilustrar as potencialidades desta estratégia. De Beatlejuice a Marte Ataca, Burton dá-nos uma guerra dos mundos muito diferente da Guerra de Orson Wells: tal como nos filmes de realismo carnal, não prevalece qualquer ética, não há nenhuma guerra imediata entre “bons” e “maus” (a base argumentista mais antiga na história do cinema) — o que se instala é uma guerra semiótica, de signos contra signos. Esta é uma faceta distinta no cinema pós-moderno de simulacro. A guerra semiótica que põe cores contra cores, mitos contra mitos, símbolos contra símbolos, formas contra formas, corpos contra corpos, heróis (canonizados) contra heróis (canonizados), etc. faz deste novo confronto um exercício complexo de auto-reflexividade, que, acima de todos, o filme Marte Ataca ilustra na perfeição. Quando se consegue aliar este mecanismo semiótico auto-reflexivo aos mecanismos da paródia mais corrosiva, estamos certamente perante uma obra-prima do pós-modernismo, que conterá, da mesma forma, o antídoto para esta classificação gratuita: nenhuma obra pode estar isenta de caricatura, por isso Marta Ataca não poupa os símbolos mais estimados da democracia norte-americana, por exemplo: o Congresso, que é destruído pelos marcianos, um busto de Kennedy, que se parte, e o Presidente, que é assassinado. Estamos, pois, perante uma faceta decisiva do cinema pós-moderno: a instituição de uma nova ordem iconoclasta que se nos apresenta já não como uma presentificação do real mas como o próprio real.

{bibliografia}

Charles Levin (tr. & introd.): "The Structural Law of Value and the Order of Simulacra", in John Fekete (ed.): The Structural Allegory: Reconstructive Encounters with the New French Thought (1984); Jean Baudrillard: Simulacros e Simulação (Lisboa, 1991); Jenaro Talens: "Writing against Simulacrum: The Place of Literature and Literary Theory in the Electronic Age", Boundary 2: An International Journal of Literature and Culture (1995 Spring, 22:1, 1-21); Michael William Smith: "Reading Simulacra: Fatal Strategies, Hyper Aesthetics, and Postmodernity" (Dissertation Abstracts International, Ann Arbor, MI (DAI). 1995 Oct, 56:4, Florida State U, 1995).

http://www.cla.purdue.edu/English/theory/postmodernism/modules/baudlldsimulTnmainframe.html

http://www.stanford.edu/dept/HPS/Baudrillard/Baudrillard_Simulacra.html

http://www.csun.edu/~hfspc002/baud/

http://plato.stanford.edu/entries/baudrillard/