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Termo que deriva de uma adaptação do italiano scritta, traduzido para o francês como écriture, termo que normalmente é reconhecido no campo dos estudos teóricos da literatura como o modo de existência material ou espacial da linguagem ou então como a representação do texto impresso ou manuscrito. O termo inglês writing tende a ser dominado pelo de écriture, mesmo nos dicionários da especialidade em língua inglesa.

Podemos, primeiramente, considerar a escrita como resultante de um acto físico que implica um traçar de signos quer manualmente quer mecanicamente (máquina de escrever, computador). Por outro lado, a escrita pode ser significativa de um conjunto de valores que influenciam não só o conteúdo mas também a forma estética daquilo que foi escrito, o que a aproxiam da noção de estilo. Segundo Roland Barthes, este estilo é fruto de um impulso, “[…] É como uma dimensão vertical e solitária do pensamento” (O Grau Zero da Escrita, p.18). Também podemos considerá-la como um depósito de uma revelação religiosa, isto porque a escrita teve o seu aparecimento quando um sistema de signos visuais, utilizados para difundir as mensagens divinas, se tornaram no suporte das mensagens ditas verbais.

É de notar que a escrita, contrariamente à fala, é permanente, daí a sua durabilidade (verba volante, scripta manent) e pode ser realizada de diferentes formas. Uma distinção genérica considerará 1) a realização pictogramática, se reproduz os objectos simbólicos que constituem o mundo em que vivemos, como no caso dos hieroglifícos egípcios; 2) a realização ideogramática, se reproduz a ideia que temos de um objecto, como na escrita chinesa; 3) a realização fonogramática, se reproduz a oralidade. É este último caso que assiste à origem da maior parte das línguas românicas.

Para um estudo da escrita, devemos tomar em consideração dois planos distintos: o da história da escrita desde a sua invenção até aos nossos dias, e por outro lado, o estudo linguístico que proura delinear as regras do funcionamento da escrita bem como as suas relações com a língua. São diversificados os saberes de que dispomos a fim de realizarmos uma análise da escrita: – a ciência histórica que explica como nasceram e evoluiram as várias escritas existentes; a fisiologia que dá conta dos gestos musculares que preenchem o acto de escrita; a psicologia que por meio da grafologia analisa a escritas enquanto sintomática dos traços de personalidade do indivíduo; a ciência penal que tem como objectivo avaliar a autenticidade das escritas; a exegese que se ocupa do estudo das Sagradas Escrituras; a simbologia que tenta decifrar quais os significados subjacentes aos códigos de escrita e a mitologia onde se procura identificar quais as fábulas onde os povos julgavam encontrar-se a invenção da escrita.

Como causas que condicionam a evolução das escritas devemos atentar, por um lado, nas condições económicas das sociedades, mas também no progresso intelectual dos povos.

É de ressaltar o facto das escritas tenderem a uma simplificação e economia, daí que os antigos sistemas de escrita como sendo os pictogramas e os ideogramas, os quais eram limitados, tenham sido ultrapassados pelas escritas alfabéticas ou silábicas onde os signos foram reduzidos facilitando o acto de comunicar.

Segundo Marcel Cohen, a escrita é determinada por uma tendência evolucionista, a qual se traduz, regra geral, em três etapas diferenciadas: primeiramente deparamo-nos com uma escrita sintética ou ideográfica conhecida por escrita de ideias na qual o signo se encontra associado a uma noção ou conceito podendo estar associado a várias unidades linguísticas. Contudo, este sistema torna-se impossível quando o sujeito pretende fazer passar uma expressão mais elaborada dado o número limitado de signos linguísticos (como exemplo deste tipo de escrita temos os índios da América do Norte: Maias e Astecas).

Em segundo lugar, temos a escrita analítica ou também designada por escrita de palavras onde verificamos que já se efectuou um progresso assinalável visto que a cada símbolo está associado uma palavra. Exemplificativo deste tipo de escrita temos a escrita egípcia (que é bastante complexa e se destaca pela particularidade do uso dos hieroglíficos); suméria e chinesa. Como defeito, este tipo de sistema revela ser preenchido com um excesso de signos o que dificulta, e muito, a comunicação.

Por último, resta ainda referir o caso das escritas fonéticas, as quais podem ser tanto silábicas (quando um símbolo está associado a uma sílaba) como alfabéticas (quando um símbolo está associado a uma unidade fonológica). Nesta forma de escrita, cada fonema poderá combinar-se com outros, obedecendo a determinados pressupostos, formando diferentes palavras. Assim, o número de signos é ainda mais reduzido, sendo este o sistema utilizado actualmente.

A passagem do sistema logográfico/analítico para um sistema alfabético ocorreu pois à medida que o símbolo é estilizado, foi-se perdendo a motivação.

A escrita mais antiga é a sumero-acádica que data de 3000 – 4000 a.c., a qual depois das conquistas babilónicas e assírias viria a ser espalhada e adoptada pelos elamitas, os orarteanos e hititas.

Quanto à origem do alfabeto, crê-se que terá sido criado uma única vez tendo por base um silabário de origem semítica.

É de ressaltar que a escrita nem sempre foi um veículo de comunicação entre os homens, isto porque alturas houve em que foi um instrumento de poder que motivava a separação entre os homens. Se tomarmos em conta a realidade que nos circunda, verificamos que mesmo hoje em dia existem certos saberes elitistas. Isto é, cada ciência nova que surge adopta um vocabulário que lhe é específico (como exemplo temos a química, a física, a biologia, entre outras).

Actualmente a escrita apenas mantém a diferenciação social em que um indivíduo destaca-se de um outro através da sua escrita que tanto pode ser primária (extremamente básica), como pode ter uma escrita intelectual em que se denota um discurso fluente.

É de salientar o facto de as civilizações terem adoptado estratégias com o intuito de economizarem tempo e espaco. Para tal recorreram à cursividade e também às abreviações tornando a escrita mais rápida e menos dispendiosa (antigamente o suporte de escrita era bastante caro). Surge então a arte da estenografia que possibilita a mão ser tão rápida quanto o pensamento.

Devemos não esquecer, e segundo Roland Barthes, que a escrita tem um grau zero ao qual não pode fugir, daí que cada nova escrita que surge contém em si uma herança precedente; torna-se numa recordação ou melhor numa “remniscência obstinada”. Por outro lado, a escrita consiste numa dupla realidade, pois tanto nasce de um confronto entre o escritor e a sociedade, como se traduz num “transferência mágica” em que o escitor é remetido para as origens da sua criação. A escrita torna-se, portanto, “num compromisso entre um liberdade e uma recordação”.

Podemos mencionar a existência de várias escritas denominadas políticas dado que cada regime político possuí a sua. Existe então uma escrita revolucionária que surge com a Revolução Francesa, a qual é uma escrita intimidativa e que impõe a consagração de ideais revolucionários. Podemos ainda mencionar a escrita marxista e estalinista cada uma delas agregada a uma ideologia diferente.

Actualmente deparamo-nos com um novo tipo de escrita que tem sido considerada como uma ameaça, de certa forma, ao escrito: a escrita electrónica possibilitada por meio do avanço tecnológico das sociedades. Este tipo de escrita caracteriza-se por ser móbil, interactiva e deslocalizada, a qual não guarda em memória nada que não queiramos deliberadamente. Por outro lado, permite ao escritor modificar o seu texto facilmente somente através da função “cortar” (cut) possibilitando-o inserir um determinado fragmento num outro local. Além disto, todo o escritor é entendido como um tipógrafo visto que não só pode visualizar o texto que produziu, como também pode tirar várias impressões ao seu texto original. Por outro lado, é considerada deslocalizada uma vez que um dado texto pode ser escrito num determinado local e o mesmo pode ser lido em vários sítios diferentes fazendo uso de intrumentos tais como o modem, o fax, o satélite ou a Internet. Face a tudo isto, facilmente discernimos um apelo a uma leitura interactiva em que o texto deixa de ser individual mas antes colectivo e onde se perde a noção dos direitos de autor.

A teorização contemporânea sobre a noção de escrita (écriture) ganhou um fôlego importante a partir de O Grau Zero da Escrita, de Roland Barthes. Tradicionalmente, falamos apenas de “arte da escrita” ou de “texto manuscrito”, mas Barthes quis acrescentar um novo conceito: opondo escrita a literatura, pressupondo que a literatura seja marcada por um dado conjunto de marcas linguísticas e/ou ideológicas, enquanto a escrita fica isenta da marca de literariedade, porque parte de um “grau zero”, livre de qualquer artifício linguístico. Outro francês, Jacques Derrida, propõe em De la grammatologie (1967), uma noção mais radical de escrita, que inclui a negação de todas as realizações puramente fonéticas.

{bibliografia}

Alfred Burns: The Power of The Written Word (1989); Alfred Tajan e Guy Delage: Écriture et structure pour une graphiste (1981); André Petitjean: Pratiques d’écritures (1982); Charles Higounet: L’Écriture (1990); David Burton e Roz Ivanic: Writing in the Community (1991); Emile Javal: Psychologie de la lecture et de l’écriture (1978); Enciclopédia (Einaudi), vol.11: “Escrita” (Roland Barthes e Patrick Mauriés); François Laruelle: Le Déclin de l’écriture (1977); Ignace J. Gelb: Pour une théorie de l’écriture (1973); Id.: Historia de la escritura (1976); Jacques Anis: L’Écriture (1988); Jacques Derrida: De la grammatologie (1967); Jack Goody: La Logica de la escritura, y la organización de la sociedad (1990); Marcel Cohen: L’Écriture et la psychologie des peuples (XXII ème Semaine de Synthèse) (1963); Marshall Mcluhan: La Galaxie Guttenberg: La genèse de l’homme typographique, vol. IV (1977); Philippe Sollers: L’Écriture et l’expérience (1971); Roland Barthes: O Grau Zero da Escrita, Seguido de Elementos de Semiologia (1953)